A ópera em que é convocada uma 'feira' de universos musicais
Música. Ciclo 'Nazismo e Cultura: Confrontações' no CCB
'O Imperador da Atlântida', de Viktor Ullmann, que parodia Hitler, viu-se no Pequeno Auditório
A apresentação de O Imperador da Atlântida (Theresienstadt, 1943), de Viktor Ullmann (Teschen, 1898 - Auschwitz, 1944) como parte do ciclo sobre nazismo e cultura em curso no CCB, em Lisboa, foi, em si mesma, uma mise-en-abîme dessa relação, ou seja, mostrar arte criada num campo de concentração.
Ullmann convoca para aqui uma "feira" de universos musicais: opereta, jazz, música de cabaret, Lied, coral protestante, música iídiche, Kurt Weill, reminiscência de Wagner, Mahler, R. Strauss e uma linguagem harmónica alargada que lembra os seus contemporâneos Schreker e Korngold. E até o hino alemão (em tom menor)! Em termos de história, não há como não lembrar espectáculos de marionetas e bonifrates.
A encenação e concepção de João Maria de Freitas Branco tiveram o senão de querer incluir demasiadas coisas, do que resultou ter-se visto boas ideias, coisas redundantes e opções equívocas, resvalando para o didactismo e carácter panfletário por demais escusados nesta obra tão eloquente de per si. A direcção de actores revelou-se por vezes confusa e as cenas dançadas eram dispensáveis. Também o uso do português pelos cantores se revelou, por vezes, contraproducente.
Nas personagens, por exemplo, o Imperador Überall é um garoto caprichoso e narcísico, espécie de príncipe renascentista; e a Morte aparenta uma debilidade e impotência que "desfazem" a dignidade e honorabilidade que estão na base do seu comportamento (no solo, perto do final, quando os tenta reassumir, faltou voz em consonância). Por outro lado, à cena do Soldado e da Maria-Rapaz faltou concentração dramática: afinal, está ali, só, a réstia de humanidade e de esperança. O Prólogo inicial também era dispensável, por ser rebarbativo. Por seu lado, o uso do vídeo é bastante judicioso, com uma mancha, não obstante: no final, o espectáculo acaba e assiste-se a algo "arrepiante": o público bate palmas à nota da deportação dos autores e às cenas de deportação (filmadas pelos nazis) de judeus em vagões de mercadorias!!
Vocalmente, tivemos boas prestações, antes de mais, de Mário João Alves (no duplo papel de Arlequim e Soldado) e de Teresa Cardoso de Menezes (Maria-Rapaz). João Oliveira (Altifalante) e Madalena Boléo (tamborileiro) foram consentaneamente expressivos. O ponto fraco esteve no Imperador e na Morte - hélas!, as personagens principais.
Musicalmente, a Orquestra de Câmara do Ginásio Ópera portou-se bem "às mãos" do maestro Jean Sébastien Béreau, mas houve um mau momento do violoncelo na cena da Morte com o Imperador.
Uma última nota para a legendagem, não isenta de erros de português.