Cozinhando com um raio de sol

embram-se do coq au vin? Foi um prato tão em voga nos anos 60 como o é hoje a quiche lorraine. É uma receita francesa, do tipo familiar rústico, que, dada a minha proximidade laboral com franceses, tive oportunidade de comer várias vezes, creio que na sua versão mais vernácula, regalando-me ainda com os comentários decorrentes, que confirmavam ou não a genuinidade da receita. Boa aluna, quando se tratava de eu própria fazer coq au vin deslocava--me ao antigo mercado das Picoas onde iniciava a minha peregrinação pela difícil escolha da ave e obrigatória recolha do sangue.

Pedia um franganote vivo, isto é, um frango adolescente a que de modo algum se pudesse chamar galo. Digamos que, seguindo Alexandre Dumas, exigia o que, no seu Le Grand Dictionnaire de Cuisine, chama "um frango virgem". Nessa altura havia-os... A propósito, o autor dos Três Mosqueteiros argumenta: o "galarote virgem", o solteiro das nossas capoeiras, deve à sua continência e virtude um sabor e um perfume que o distinguem eminentemente do seu tio, o capão".

Família à parte, Dumas não concorda que carne tão delicada seja cozinhada em guisado, no que é contrariado pelos seus compatriotas, que cozinhando-o em coq au vin obtêm um dos mais emblemáticos pratos da cozinha familiar francesa, mas que é um guisado, onde se distingue o da Borgonha. Não admira, com aquele vinho!

Se na receita não especifico o tipo de vinho a utilizar é para não os levar a ser mais papistas do que o Papa. Em França, a receita toma como apelido o nome de vinho da região onde é confeccionada. Nós também temos mais do que um vinho com que o mais genuíno dos coq au vin fará um casamento de amor.

Não era minha intenção debruçar-me sobre o coq au vin como receita. Servi-me dela apenas como pretexto para lembrar o excelente ingrediente que o vinho é na cozinha. Bairradinos e açorianos estão a rir-se. Ninguém melhor do que eles sabe quanto valem a chanfana e a alcatra e quanto estes pratos devem aos saborosos néctares que as suas terras produzem.

Mas há mais. Que rojões teríamos sem a indispensável marinada, onde por vezes é utilizado o verdadeiramente único vinho verde; do cabrito e do borrego assados sem o "golpe" de vinho branco, na conta, como se de um requintado perfume se tratasse. Uma pêra-rocha cozida em vinho, branco ou tinto, é, sem exagero, uma sobremesa deliciosa. Lembrar o vinho quente, aromatizado com canela é recordar a noite mágica do Natal.

Alguém disse que o vinho na cozinha só é comparável ao raio de sol que ilumina a floresta. Acrescente-se que acompanhar um bom prato com um copo de bom vinho não é apenas mostrar bom gosto, é praticar um acto de cultura.

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