Os pontos nos is nas pataniscas

Se um dos grandes atractivos da chamada «Cozinha de Autor» é o efeito surpresa, já na cozinha tradicional, a cozinha da memória, a imitação e o rigor são uma condição. Isto vem na sequência da conversa que tivemos há cerca de um mês sobre o arroz de feijão, o parceiro preferido da patanisca.

Sirvo-me muitas vezes da palavra patanisca para descrever um frito chatinho, tipo bolacha. Ora, são raras as vezes em que o aspecto do acepipe, ou amuse-bouche, que tanto aprecio, corresponde ao que pedi. A decepção, de tantas vezes repetida, levou-me a consultar o Dicionário da Academia, que começa por nos dizer que ela é de origem obscura. E define-a a seguir como um «pastel frito feito com um polme preparado geralmente com ovos, farinha, cebola, salsa? a que se junta bacalhau». Sem qualquer benevolência, acho que até não está mal.

Só que, no mesmo dicionário, a definição dada para pastel já não corresponde àquilo a que se convencionou chamar patanisca. Recorro aos livros de cozinha portuguesa que mais frequento - por ordem: Tratado Completo de Cozinha, de Bento da Maia, e Culinária Portuguesa, de António M. O. Bello, e nem num nem noutro aparece a palavra patanisca. Procuro nos de que sou autora e? não posso gabar-me de ter sido brilhante, nem sequer esclarecedora. Mais precisamente, não me actualizei.

Na ausência de escritos credíveis socorro-me da memória, da minha e da dos meus mais esclarecidos informantes. Dizem-me que o que escrevi esteve certo, que as pataniscas antigamente, há 50 anos, se faziam com o bacalhau cru, bem demolhado, feito em lascas e marinado em leite e sumo de limão durante algumas horas antes de ser envolvido num polme de farinha e ovos. Disseram-me ainda que as pataniscas, confirmando que a cozinha tem dinâmica, evoluíram e que hoje se fazem com bacalhau cozido, geralmente restante de um prato de bacalhau cozido.

É o que, sem me aperceber, passei a fazer e com satisfação. E concluí que é assim que a cozinha tradicional deve evoluir: devagar, devagarinho e colectivamente: família, restauração e, no caso das pataniscas, tascas e feiras.

Sujeito à vossa apreciação uma receita de pataniscas revista e actualizada: mistura-se 1 boa posta (cerca de 200 g) de bacalhau cozido, sem ter fervido, feita em lascas (nunca desfiado, como já vi), 1 chávena (2 dl) de farinha, 1 colher de sopa de azeite, 1 cebola pequena finamente picada, 1 colher de sopa de salsa picada, 2 ovos e água em quantidade suficiente para se obter um polme espesso mas que escorra. Frita-se este preparado, às colheradas, em azeite bem quente. Escorre-se sobre papel absorvente. O azeite mais indicado é o que ostenta na garrafa a denominação de venda: Azeite - contém azeite refinado e azeite virgem.

Foi assim que experimentei fazer as pataniscas à antiga ? com a reserva que se impõe em tudo o que respeita ao gosto .

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG