Protesto
28 março 2024 às 07h14
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Porto. Brasileiros batem à porta do antigo SEF à procura de respostas

Perante a aglomeração de imigrantes, elementos do Centro Nacional de Apoio à Integração de Migrantes distribuiu fichas de atendimento - foram atendidos, mas sem soluções para os problemas apresentados.

Imigrantes com título de residência caducado - não por vontade própria - foram ontem bater à porta do Centro Nacional de Apoio à Integração de Migrantes (CNAIM) do Porto na tentativa de obter solução para o seu problema. Sem atendimento por telefone ou e-mail, um grupo de Braga organizou-se e foi até à maior representação da Agência para as Migrações, Integração e Asilo (AIMA) da região norte para mostrar o seu desagrado com a situação.

Perante o aglomerado de pessoas, foram distribuídas senhas de atendimento para que não ficassem no local, confirmou o DN. Minutos antes da chegada dos manifestantes, a informação prestada pelos elementos do Centro era de que “as vagas do dia já haviam acabado”, inclusive com fixação de um aviso na porta - que está sempre trancada com chave.

“Os seguranças saíram distribuindo senha de informação justamente para esvaziar a manifestação”, denuncia Priscila Nazareth Corrêa, advogada e organizadora do protesto. A profissional foi recebida pela coordenadora do CNAIM e entregou sete petições sobre casos que considera “urgentes” pelo incumprimento do governo em renovar os títulos CPLP.

Esta foi a principal razão da manifestação que reuniu cerca de uma dezena de pessoas, numa tarde de muita chuva e vento. Priscila contou que entre alguns dos casos apresentados estão imigrantes que já receberam carta de rescisão de contrato de trabalho por não terem o documento renovado - o governo não disponibilizou um sistema de renovação das autorizações CPLP, apenas decretou que estão válidos no território nacional até 30 de junho.

O problema, segundo a jurista, é que algumas empresas privadas não reconhecem esse decreto e exigem o título renovado para a manutenção dos empregos. “Em uma das situações que apresentei temos uma mãe, que é chefe de família sozinha com uma filha e que não pode ficar sem emprego”, diz. Outro cliente da advogada foi impedido de entrar na fábrica onde trabalha pelo mesmo motivo.

Há quem já tenha ficado sem trabalho pela falta do documento válido. É o caso do brasileiro Guilherme Mayerhofer, que teve a conta bloqueada numa aplicação que disponibiliza turnos como empregado de mesa e outros trabalhos.

Outra dificuldade encontrada pelo imigrante, que possui título CPLP - agora caducado - é que foi parado em uma fiscalização de trânsito quando voltava do trabalho. “Faltavam três dias para caducar, os polícias disseram que foi por pouco que não me prenderam, não quero viver na ilegalidade”, explica. Guilherme fez como outros milhares de brasileiros e imigrantes de países de língua portuguesa: suspendeu a Manifestação de Interesse (MI) para obter o título CPLP, com prazo de emissão muito menor.

No entanto, passado um ano, quem fez tal escolha está com título caducado e sem possibilidade de o renovar. De acordo com Priscila, a situação torna-se ainda mais preocupante porque estar com documento sem validade impede o recebimento de subsídio de desemprego. “Ou seja, é bater às portas da administração pública duas vezes. Primeiro pedindo a legitimidade do título para trabalhar. Depois, uma vez que é recusada a renovação ou a própria mudança, essas pessoas não conseguem receber seus subsídios de desemprego porque estão com os documentos vencidos”, explica a jurista.

De acordo com Priscila, a responsável pelo CNAIM do Porto pediu “paciência” e que daria uma resposta “depois da próxima quarta-feira”. A coordenadora do local informou que não poderia atender jornalistas e uma das seguranças ameaçou exigir que os profissionais deixassem a via pública.

Outra reclamação da advogada e de outras imigrantes que participaram no protesto era o atendimento presencial. “Apenas dizem que não há vagas e vão fechando a porta na cara da pessoa”, conta a jurista - o que também confirmado pelo DN no local. Durante o tempo em que a reportagem lá esteve outros imigrantes procuraram respostas e alegavam que ir ao local de forma presencial é a única alternativa que resta depois de esgotadas as opções de chamada telefónica e e-mails.

Priscila também é autora de uma petição online que conta com mais de 500 assinaturas. No documento, a advogada propõe uma série de medidas para melhora no atendimento, como “instauração de Conferência Procedimental entre os seguintes órgãos: IRN, AIMA, SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE E DGES, visando criar procedimentos únicos a serem adotados de forma generalizada entre órgãos” (...) no sentido de evitar decisões conflitantes, que tanto prejudicam os particulares”. Outra reivindicação é a criação de “um canal de comunicação que vise assegurar o acesso a serviços essenciais ao imigrante, garantindo a obediência ao Princípio da Eficiência da Administração Pública, lembrando que o canal de comunicação ora existente com a AIMA via site não tem sequer respondido a qualquer das solicitações feitas por meio de formulário, como é de conhecimento público”.

Questionada pelo DN a AIMA não comentou o protesto de ontem no Porto. Também ficou por responder o pedido de comentário sobre a atitude dos seguranças em fechar a porta na cara dos utentes e o baixo número de senhas disponibilizadas.

Agendamentos de renovações suspensos no IRN

Foi com surpresa que os imigrantes que foram à procura de vagas no agendamentos do portal SIGA para renovar títulos de residência não encontraram a opção. O DN sabe que as marcações estão suspensas “até segunda ordem”, conforme e-mail a que tivemos acesso. O Ministério da Justiça não confirma oficialmente a suspensão e justifica a questão como um “esgotamento devido à procura”. No entanto, nas ocasiões anteriores em que as vagas acabaram, a opção de marcação continuava a aparecer, ao contrário do que acontece agora. Segundo o ministério, o IRN irá contactar os utentes “proativamente” para marcações, conforme uma lista de nomes disponibilizada pela Agência para as Migrações, Integração e Asilo (AIMA). O DN também sabe que alguns imigrantes receberam uma SMS com a convocação, mas sem explicação do motivo.

A AIMA nega a suspensão ou mudança no procedimento, mas confirma que “o IRN chama as pessoas para atendimento com base numa lista que a AIMA envia ao IRN”. A informação sobre mudanças no sistema de renovações não consta publicamente no site ou redes sociais do órgão. A agência ainda sublinha que “tem consciência dos desafios, mantém os objetivos enunciados e trabalha diariamente para os superar” e que “tem vindo a investir na revisão de procedimentos, simplificação, modernização e transformação digital, nomeadamente para facilitar o acesso aos serviços”.

amanda.lima@globalmediagroup.pt