Construção
15 fevereiro 2024 às 09h37
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Casas em Portugal correm risco sísmico por falta de fiscalização

Associação do setor alerta para falhas no controlo da resistência do betão nas construções de moradias e prédios habitacionais. Qualidade e segurança estão em causa.

A resistência do betão utilizado na construção de habitação em Portugal não está a ser fiscalizada como obriga a lei. “É praticamente inexistente”, denuncia Jorge Reis, diretor-geral da  Associação Portuguesa das Empresas de Betão Pronto (APEB). “Portugal não é um bom exemplo no que diz respeito à fiscalização das obras no setor da construção, sobretudo nas obras privadas”, diz. Esta falta de controlo expõe os portugueses a possíveis calamidades de magnitude semelhante ao que sucedeu há um ano na Turquia e na Síria. As regiões da Área Metropolitana de Lisboa, Algarve e Açores são as que têm maior risco sísmico, mas há outras zonas do país que também estão expostas aos abalos terrestres.

Para evitar tragédias, a qualidade do betão incorporado na edificação de casas deveria ser controlada pelas autarquias e os produtores deste material pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE). Isso mesmo ficou determinado no Decreto-Lei 90/2021. Como esclarece Jorge Reis, “esta fiscalização, que deveria incidir sobre a verificação da certificação dos produtores de betão e sobre a verificação da resistência do betão para avaliar se a mesma está de acordo com o especificado pelo projetista, praticamente não é efetuada por ninguém, em completo descumprimento” da lei. Na sua leitura, esse incumprimento dever-se-á a “desconhecimento, incapacidade ou falta de meios”.

A ASAE tem pautado a sua ação na verificação documental da certificação dos produtores de betão, mas dada a exigência do diploma ainda não está a controlar a qualidade do produto, adiantou fonte deste organismo. Para assegurar que o fabrico deste material cumpre com a devida composição, a ASAE está a trabalhar em conjunto com o Laboratório Nacional de Engenharia Civil e o IAPMEI, reconhecendo a necessidade de conhecimentos especializados a nível técnico para “aplicar a lei na sua plenitude”. O DN/Dinheiro Vivo também contactou o Ministério da Coesão Territorial, que tem a tutela das autarquias, para obter esclarecimentos sobre a atuação das câmaras nesta matéria, mas até ao fecho desta edição não obteve resposta.

Segundo o decreto-lei, as câmaras municipais têm que verificar se o construtor realizou os ensaios em laboratórios acreditados à robustez do betão aplicado na obra, conforme estipulado pelo projetista. São esses testes que permitem conhecer a resistência do edifício a um eventual terramoto. Como sublinha Jorge Reis, “a não verificação da resistência do betão aplicado nas construções privadas pode estar a comprometer a capacidade dessas construções resistirem a um sismo que venha a ocorrer, pois sabemos que tal sucederá, só não sabemos quando e com que intensidade”.

Dez anos a crescer

Jorge Reis reconhece que há produtores de betão “idóneos, que estão certificados e cumprem com os procedimentos”. No entanto, a falta de controlo põe “na mão dos produtores de betão e das construtoras o cumprimento ou não da lei”, abrindo as portas à concorrência desleal. Até porque a qualidade do betão, que tem na sua composição cimento, areias, britas adjuvantes e água, tem um preço. O responsável considera a fiscalização essencial para evitar distorções no mercado e dar segurança ao consumidor final. Como sublinha, “não existem construções sustentáveis se não forem executadas com qualidade; e não existem construções de qualidade se não se controlarem e verificarem os seus componentes”. Regra geral, o betão é o elemento base das estruturas em Portugal.

O volume de vendas de betão pronto em Portugal atingiu, em 2022, 6,6 milhões de metros cúbicos, sendo que a APEB estima que no ano passado esse valor tenha aumentado cerca de 5%, para 7 milhões de metros cúbicos, para utilização em obras públicas e privadas. Segundo Jorge Reis, este indicador “tem crescido de forma sustentada desde 2013”. No ano passado, a faturação do setor terá ascendido a 650 milhões de euros.

No país, existem perto de cem produtoras de betão, responsáveis por 230 centros de produção espalhados pelo território nacional, que dão emprego a 2500 pessoas. Jorge Reis garante que o setor está preparado para responder à carteira de obras públicas lançadas e por lançar, como a ferrovia do Alentejo, as obras no porto de Sines, dos metropolitanos de Lisboa e do Porto, dos hospitais de Évora e do Funchal, e também para o aumento da procura para o setor da habitação. “O setor está sólido e bem preparado para responder às necessidades de betão pronto de todas estas obras, até porque já foram consumidos, anualmente, em Portugal, mais de dez milhões de metros cúbicos”, entre 2002 e 2008.


sonia.s.pereira@dinheirovivo.pt