Os eleitos
28 março 2024 às 23h14
Leitura: 5 min

Um governo político feito com a prata da casa

Mais de 60% do núcleo duro da direção do PSD está no Governo. Das 17 escolhas de Montenegro só há dois ministros sem experiência política ou partidária, os chamados independentes. Este cenário repete o de 2015: o Governo de Passos que durou um mês.

O cenário é muito semelhante ao de outubro de 2015. Perante o que estava a ser preparado pela esquerda [a criação de geringonça] Pedro Passos Coelho só conseguiu três “independentes” entre 17 ministros. As circunstâncias quebraram o padrão de recrutamento de “especialistas” sem experiência política ou partidária. Na altura, o líder do PSD não arriscou nos convites [o Governo só durou um mês] preferindo recorrer à prata da casa. 

O mesmo, apesar das diferentes circunstâncias, fez agora Luís Montenegro. E o número até é inferior: dois “independentes” [Dalila Rodrigues e Maria do Rosário Palma Ramalho] entre 17 ministros.

Nos governos de Sócrates, por exemplo, os chamados independentes representaram mais de metade dos escolhidos para ministros - 52,4% no primeiro Governo; 56,3% no segundo Executivo. Nos governos de António Costa a fasquia baixou - 53% em 2019; 40% em 2022. Agora, a percentagem caiu para os 11,7%.

O recrutamento de ministros fora dos partidos, desde os anos 1970, fez de Portugal uma exceção na Europa - tal como revelam, por exemplo, os estudos de António Costa Pinto, investigador do ICS - onde a norma é diferente: “Só alcançam esse lugar quem já foi deputado, dirigente partidário ou membro da administração local ou regional”. A capacidade de atrair “independentes” já na segunda-feira era questionada por um dirigente social-democrata que, ao DN, admitia “dificuldades em ter gente fora do partido que esteja disponível”. “Um Governo de minoria neste quadro político atual, com o Chega assim e o PS com a narrativa do excedente, com a propaganda do foguetório, que não é o que parece, deve causar incertezas enormes.”

A dúvida teve resposta esta quinta-feira. Dos 17 ministros, sete são do núcleo “mais próximo” de Luís Montenegro [Paulo Rangel, Miranda Sarmento, Leitão Amaro, Pedro Duarte, Pedro Reis, Miguel Pinto Luz e Margarida Balseiro Lopes]; sete são “gente” do partido, um é do CDS e só dois chegam ao Governo sem experiência política ou partidária - o que não significa ausência de proximidade política ou ideológica. Tradução? Mais de 60% da Comissão Permanente do PSD, o núcleo duro da direção, está no Governo. As dificuldades em conseguir “entendimentos”, como refere ao DN um deputado social-democrata, “parecer ser a explicação para um Governo de cariz fortemente político”.

E essa é precisamente a leitura de André Ventura, que fala de “um Governo eminentemente partidário (...) composto essencialmente por figuras da cúpula do PSD, do seu círculo político de proximidade. Talvez as circunstâncias políticas o possam justificar, mas mostra uma insuficiente capacidade de ter ido à sociedade civil”.

O socialista Pedro Delgado Alves coincide nas observações do líder do Chega por não ver no Governo “nenhum alargamento da sua base parlamentar de apoio ou uma abertura que nos permita vislumbrar como é que Luís Montenegro pretenderá governar. É em síntese, diz, um grupo de personalidades da Aliança Democrática (AD), do PSD e do CDS (…), de protagonistas, de decisores, de autores, de executores do essencial das ideias e das traves-mestras do programa da AD”. E se assim for? “Muito provavelmente, constata, será esse o programa do Governo (…) que nos parece errado e traduz um retrocesso.”

Este raciocínio - a perceção de que “as coisas assim podem não correr bem”, como diz ao DN outro deputado do PSD - encaixa também nas críticas do BE, por exemplo, que vê um Governo com “cheiros do passado, que resgata várias figuras da troika (…), que traz figuras da área dos interesses imobiliários para a justiça, que traz defensores dos vistos gold para a área da habitação, que traz uma académica contra os direitos do trabalho para o Ministério do Trabalho, uma conservadora para a Cultura”, diz Fabian Figueiredo. 

Já o PCP, nas palavras de António Filipe, deteta nas escolhas de Luís Montenegro um Governo “muito ligado aos interesses dos grupos económicos” e duvida que “personalidades que se diz mais ligadas à sociedade civil [ Dalila Rodrigues e Maria do Rosário Palma Ramalho] imprimam à atividade governativa uma orientação diferente daquela que é a orientação do PSD e do CDS”.

artur.cassiano@dn.pt