Habitação
03 abril 2024 às 16h24
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Um quarto dos senhorios enfrenta atrasos no pagamento das rendas

Barómetro da ALP - Associação Lisbonense de Proprietários mostra que um em cada cinco senhorios não atualizou as rendas de acordo com o coeficiente legal de 6,94%.

Quase um quarto dos senhorios está confrontado com o incumprimento do pagamento de rendas dos seus inquilinos, indicam os dados do Barómetro da Associação Lisbonense de Proprietários - ALP. Em causa estão 23,6% dos inquiridos, o que leva a associação a sublinhar que este é um fenómeno que se tem mantido “sustentadamente alto” ao longo das sete edições deste inquérito.

“A maior alteração face às seis últimas edições é o facto de a fatia de senhorios que têm mais de seis meses de incumprimento de rendas liderar globalmente junto daqueles que estão a suportar perdas. São, nesta amostra, 30,3% dos proprietários que têm rendas em atraso”, indica a associação em comunicado, dando conta que “aqueles que acumulam perdas de dois a três meses de rendimento representam 28% das respostas”.

Apesar deste agravar do problema, só 48,7% dos senhorios em causa pondera avançar com o despejo dos inquilinos, sendo que a maior parte considera que tal “será [um processo] demorado e terá mais custos do que o valor que está em dívida pelos inquilinos”.

Para 18% dos proprietários, “a resolução passa sempre pela via extrajudicial”, mas há 15,6% que mostram “compreensão pela situação económica e social que atravessam os arrendatários”. Destaque, ainda, para 17% da amostra que “acredita que a justiça favorece sempre os inquilinos, mesmo em casos de flagrante incumprimento” e para os 4% dos senhorios que dizem “não ter meios para aceder à justiça”.

Nesta sétima edição do Barómetro “Confiança dos Proprietários” da ALP, que auscultou 525 senhorios entre 14 e 22 de março, ficamos a saber que um em cada cinco (21,4% dos inquiridos, para ser mais exato) não procedeu à atualização anual de renda de 2024 pelo coeficiente legal de 6,94%. “Se é verdade que cerca de um terço dos respondentes não o fez porque tem contratualizado por mútuo acordo outro coeficiente anual no contrato de arrendamento, há a destacar os 14% de inquiridos que responderam ter preferido atualizar a renda noutro valor percentual, por entenderem que o coeficiente apurado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) para 2024 poderia colocar os seus inquilinos em incumprimento”, justificam.

Dos senhorios que participaram no inquérito, 10% indicam que mantiveram a renda inalterada “por considerar que qualquer aumento que fosse seria incomportável para os agregados de arrendatários” e há ainda 9% que dizem não terem mexido nas rendas “por terem atualmente um rendimento que lhes permite ter uma vida confortável, sem necessidade de retirar poder de compra aos inquilinos”. 

A ALP destaca a “falta de confiança no mercado de arrendamento ao longo do ano passado, muito marcado pela instabilidade provocada pelo pacote “Mais Habitação””, com 9% dos inquiridos a darem conta que venderam imóveis que estavam afetos ao arrendamento tradicional e mais 6% que transferiram imóveis que estavam colocados no arrendamento tradicional para o arrendamento de curta duração.

“Metade dos respondentes acham que o imobiliário e arrendamento é um mercado com margens cada vez menos atrativas. Uma larga fatia de proprietários (43%) considera que o imobiliário e arrendamento são mercados burocráticos e difíceis de entender. Para 29%, é um investimento que exige custos operacionais excessivos, mas ainda assim, para quase um quarto dos respondentes (24%), é um mercado rentável e seguro para investir”, pode ler-se no comunicado da ALP. Só 2% dos senhorios inquiridos celebraram contratos ao abrigo dos programas de arrendamento acessível ou do Programa “Arrendar para Subarrendar”, criado no âmbito do pacote “Mais Habitação”.

E quem é senhorio em Portugal? É uma ‘profissão’ envelhecida, mostra o barómetro, que indica que sensivelmente metade da amostra (48,2%) pertence à terceira idade, com mais de 65 anos, sendo que 33,9% tem mesmo entre 65 e 75 anos. Há apenas 1% de jovens proprietários com idade até aos 34 anos. 

Mais de metade dos inquiridos (51,4%) revela ser dono de até cinco imóveis e mais de dois terços da amostra (76,4%) até dez. A maioria (93%) tem os imóveis colocados no mercado de arrendamento tradicional, 11% diz ter as casas em arrendamento de curta duração e 7,6% revela ter os imóveis alocados a arrendamento a estudantes. O barómetro da ALP revela ainda que “mais de metade dos senhorios auferem pelos imóveis que têm colocados no mercado, até três salários mínimos nacionais brutos (2460 euros)”.

“Este valor mantém-se totalmente estável ao longo das sete edições do barómetro. Os senhorios pertencem à classe média baixa. Pelos critérios de transição das rendas anteriores a 1990 para o NRAU teriam carência económica. Muitos dos nossos associados passam grandes dificuldades financeiras pois suportam rendas congeladas muito baixas”, sublinha ao DN/Dinheiro Vivo Diana Ralha, diretora da ALP (ver entrevista ao lado)

Dos inquiridos para o barómetro, 56,4% revelaram ter contratos de arrendamento anteriores a 1990, ou seja, as chamadas rendas congeladas. E mais de metade destes recebem entre 50 e 100 euros de renda.

Diana Ralha: “Há condições para reverter políticas erradas aprovadas nos últimos anos”

O que levou mais de 20% dos proprietários a não procederem à atualização  de 6,94% das rendas prevista pela lei?
O coeficiente legal está desde o início da década de 90 com valores muito baixos - tão baixos quanto a inflação registada. Muitas vezes era tão baixo, que aplicado a rendas igualmente baixas, nem suportava os custos com o correio registado que implicava. A ALP defende há muito que este coeficiente de atualização legal não faz qualquer sentido e tem de ser revisto. O segundo motivo é que houve uma grande noção de muitos proprietários de que se fosse aplicado o coeficiente legal, que não espelha mais do que a inflação, tal colocaria os inquilinos em risco de incumprimento e em dificuldades.

O barómetro revela que há mais senhorios com rendas em atraso há mais de seis meses. Um eventual descongelamento das rendas agravaria este cenário?
É um dado muito preocupante. Ao longo das sete edições do Barómetro tivemos sempre dados consistentes de incumprimento entre 1 em cada quatro ou 1 em cada 5 senhorios a assumirem rendas em atraso, mas com a maior fatia a fixar-se em dois a três meses. Não há uma ligação entre descongelamento de rendas e incumprimento. Há uma relação direta entre impunidade e incumprimento. Os arrendatários sabem que se deixarem de pagar a renda nada vai acontecer. Se o fizerem a um crédito à habitação, não há essa impunidade. Se não pagarem a conta do supermercado, também não. Mas podem manter-se numa casa que não é sua, sem cumprir contratualmente aquilo que se comprometeram durante mais de dois ou três anos. Porque a justiça não funciona e não há mecanismos céleres que previnam o incumprimento sistemático. Há inquilinos que são reincidentes porque há total impunidade. Há um prémio de risco nesta atividade também por isso.

O que explica a baixa adesão dos proprietários aos programas Arrendamento Acessível e Arrendar para Subarrendar?
É uma verdadeira tragédia. São programas que deveriam ser um sucesso, que têm tudo para atrair proprietários para as enormes benesses prometidas. Mas falham porque são várias as gerações de senhorios que sabem que o prometido não é devido quando o tema é arrendamento em Portugal. Os riscos político e fiscal em Portugal são muito grandes. O que hoje vale amanhã é alterado e sem qualquer justificação. A confiança é um pilar-mestre neste mercado. Não existindo, não convence nem os proprietários portugueses nem os investidores estrangeiros. O mesmo Estado que oferece isenções totais de impostos é o mesmo Estado que os ameaça de arrendamentos forçados; o mesmo Estado que prometeu acabar com as rendas congeladas é aquele que ao fim de quatro adiamentos e mais de uma década de espera diz que afinal o congelamento de rendas vai manter-se. O Estado não tem palavra. Os senhorios não acreditam nas suas promessas.

O que espera a ALP do novo Governo?
Uma mudança rápida e inequívoca das políticas de habitação para a retoma da confiança dos proprietários. Não pode haver solução desta grave crise sem os privados, muito menos com medidas hostis sobre estes. Conhecemos os programas dos três partidos de direita que foram sufragados e que formam a confortável maioria que há no Parlamento, e sabemos que há condições para reverter muitas das políticas erradas que ao longo dos últimos anos foram aprovadas.

ilidia.pinto@dinheirovivo.pt

carla.ribeiro@dinheurovivo.pt