“À direita tenho o Paulo Núncio, representante da AD, pai de quatro filhos.”
Foi assim que o vice-presidente do CDS-PP e ex-secretário de Estado do governo Passos foi apresentado no encontro, ocorrido a 20 de fevereiro, no qual defendeu a realização de um novo referendo sobre o direito das mulheres a interromperem uma gravidez não desejada e, enquanto tal não for possível, medidas para “dificultar o acesso” ao aborto legal. De resto, o próprio não deixou qualquer dúvida sobre estar ali mandatado pela coligação: “A minha presença aqui em representação da AD é só por si um sinal de que a AD é uma força política que defende políticas pró-vida e pró-família.”
Este facto choca com o afirmado esta quarta-feira por Luís Montenegro, o líder da AD, que quando confrontado com as afirmações de Núncio as enquadrou como uma “expressão individual e apenas e só a comprometer e a vincular o doutor Paulo Núncio”, negando terminantemente que a coligação contasse entre os seus objetivos a reversão da chamada “lei do aborto”, a qual permite a interrupção de gravidez (IG) nas primeiras dez semanas por exclusiva vontade da mulher, tendo, como é sabido, resultado de um referendo realizado em 11 de fevereiro de 2007.
Na verdade, durante as quase duas horas da sessão organizada pela associação anti-escolha Federação Portuguesa pela Vida (e que está patente no Youtube), Paulo Núncio repetiu várias vezes “falo em nome da AD”, esforçando-se por convencer o moderador da conversa e a audiência de que não só o seu partido, o CDS-PP, “sempre esteve do lado certo da história” (entendido por si como o da oposição a várias leis que garantem direitos sexuais e reprodutivos e a liberdade de decisão individual, como a da interrupção da gravidez e a da eutanásia), como também o PSD. “O PSD é um partido diferente, não posso negar, não é democrata-cristão, embora na prática, sempre que se discutiram alterações à lei do aborto no sentido de flexibilizar o aborto e sempre que houve referendos do aborto, os líderes do PSD e a esmagadora maioria do PSD também estiveram do lado do Não.”
É nesse sentido, o de demonstrar o histórico de combate “pelo lado certo” do PSD e do CDS-PP, que surge a referência ao que a maioria absoluta destes dois partidos fez no último dia da legislatura 2011/2015, quando, recorde-se, Luís Montenegro era presidente da bancada parlamentar do PSD.
Trata-se de medidas que Paulo Núncio assume terem tido o objetivo de “dificultar o acesso ao aborto”, gabando-se de o executivo de Passos Coelho ter sido “um dos primeiros governos do mundo” a agir nesse sentido: “É importante frisar que em 2015, não obstante já termos a lei do aborto em vigor, e depois do referendo, o governo do PSD e do CDS, na altura era a PAF, enfim era a AD mas tinha outro nome, foi dos primeiros governos do mundo a tomar medidas no sentido de dificultar o acesso ao aborto. Não foi possível reverter a lei, é verdade, mas foi tomado um conjunto de medidas que logo a seguir foram revogadas pelo PS”.
Até ali, explica, “quem queria fazer um aborto não pagava taxas moderadoras porque, imagine-se, se considerava que o aborto se tratava de um cuidado de medicina materno-infantil e essa era a razão para a isenção das taxas. E foram introduzidas nessa altura, assim como a obrigatoriedade do aconselhamento psicológico e social como forma de uma maior consciencialização da mãe. E do pai também, porque também é um elemento relevante nesta matéria.” Outra medida que a maioria PSD/CDS-PP tomou na mesma altura, e que Núncio não referiu, foi a de anular a proibição, existente na lei desde 2007, de intervenção de médicos objetores de consciência nas primeiras consultas do processo de IG, que servem para informar as mulheres, e no seu aconselhamento (até ali apenas se requerido) durante o período “de reflexão” que a lei impõe entre a primeira consulta e o procedimento.
E é o mesmo tipo de ação que este representante da AD preconiza para a próxima legislatura: "Devemos ter a capacidade de tomar iniciativas no sentido de limitar o acesso ao aborto e logo que seja possível procurar convocar um novo referendo no sentido de inverter esta lei que é uma lei profundamente iníqua"