Vistos Gold
22 abril 2024 às 08h10
Leitura: 7 min

Sociedades de investimento imobiliário coletivo disparam 64% 

O novo governo ainda não clarificou se irá alterar o regime. Para já, é possível obter o documento dourado através de investimentos em fundos e criação de empresas.

A Comissão do Mercado de Valores Imobiliários (CMVM) autorizou a criação de 59 sociedades de investimento imobiliário heterogeridas no ano passado, um aumento de 64% face às 36 constituídas em 2022. Os dados facultados pela CMVM permitem concluir que a constituição destes organismos de investimento coletivo tem registado uma dinâmica crescente desde 2020. A este movimento não será alheio o regime dos vistos gold. As aplicações financeiras eram um dos critérios elegíveis para a atribuição de Autorização de Residência para Investimento (ARI) e podiam ser realizadas em veículos com ativos imobiliários. A entrada em vigor do pacote Mais Habitação alterou as regras, mas manteve a porta aberta às transferências de capital.

No ano passado e até setembro, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) concedeu 392 Autorizações de Residência para Investimento (designação oficial dos vistos gold) por via de transferências de capitais. Foram investidos um total de 154,4 milhões de euros. Desde essa data que são desconhecidos o número de novas autorizações e o investimento envolvido. O SEF foi extinto e a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), entidade agora responsável pelas ARI, não atualizou até ao momento as estatísticas, apesar dos pedidos do DN/Dinheiro Vivo. Ainda assim, é possível verificar que o critério de transferências de capital despertou bastante interesse nos investidores estrangeiros, principalmente a partir do momento em que foi eliminada a possibilidade de obter visto por compra de imóveis nas grandes cidades. Em 2019 e 2020, foram concedidos pouco mais de 80 vistos, mas em 2021 já ultrapassou a barreira dos 100 e em 2022 ascendeu a 271 autorizações. No ano passado, como já referido, o número de ARI por via de transferências de capital disparou. De acordo com os dados do SEF, desde a criação do regime dos vistos gold - em outubro de 2012 -, e até setembro de 2023, esse critério permitiu a atribuição de 1312 ARI, num investimento acumulado de 867 milhões de euros.

Lei pouco clara

Dificilmente estes investimentos estrangeiros para obtenção de vistos gold irão esmorecer e até deverão continuar a ter implicações no mercado imobiliário português. O programa Mais Habitação, que entrou em vigor em outubro passado, permite a obtenção de ARI por transferências de capitais. A lei do governo de António Costa estabelece a possibilidade de obter um visto gold através de transferências de 500 mil euros para criação de empresa local, ou investimento em empresa existente, com criação ou manutenção de cinco postos de trabalho por um período de três anos. Este critério parece manter as portas abertas à entrada de capitais estrangeiros em projetos turísticos. Estão também previstas transferências à aquisição de partes de organismos de investimento coletivo.

“Nada obsta a que um investidor possa investir numa sociedade comercial que se dedique à atividade de turismo, em qualquer parte do país”, desde que a empresa não opere “na compra e venda de imóveis, promoção imobiliária ou atividade conexa que possa constituir um investimento imobiliário direto ou indireto”, defende a advogada Diana Botelho, da Fides Law. Como sublinha, o Mais Habitação define que nenhuma das atividades de investimento deve ser direcionada ao investimento imobiliário direto ou indireto, “mas ficou por definir pelo legislador no que consiste este “investimento imobiliário direto ou indireto”, bem como o que justifica esta limitação, bastante desafiadora do ponto de vista constitucional”. Em teoria, “o investimento em projetos turísticos é possível, porquanto não retira fogos habitacionais, que é o que o escopo da norma pretende proteger, e por outro lado, não foi expressamente excluído o investimento em projetos turísticos, o que aparenta ser propositado, uma vez que foram criadas várias disposições dirigidas ao setor e ao alojamento local”, frisa ainda Diana Botelho. 

Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários, também admite que os vistos gold possam ser obtidos com base em investimentos de caráter turístico. Essa possibilidade “foi um tubo de escape, para não deixar o regime morrer”, diz, embora reconheça que a legislação “é ambígua”.

Patrícia Viana e Raquel Brito, Abreu Advogados, consideram que, “se a sociedade onde o candidato a golden visa investiu for detentora de ativos imobiliários - sejam eles habitacionais ou não - tal investimento não será mais elegível”. Contudo, admitem a existência de “argumentos que podem ser utilizados contra esta interpretação altamente restritiva, mas que não sabemos, ainda, se serão acompanhados pelo entendimento da AIMA”.

Já aplicações em fundos de investimento não levantam dúvidas. Como defendem as advogadas Clélia Brás e Edna Morais, da PRA - Raposo, Sá Miranda & Associados, o regime das sociedades de investimento “encontra-se inserido na opção de investimento de transferência de capitais no valor de €500.000,00 destinados à aquisição de partes de organismos de investimento coletivo não imobiliário cuja maturidade, no momento do investimento, seja de, pelo menos, cinco anos e, pelo menos, 60% do valor dos investimentos seja concretizado em sociedades comerciais sediadas em território nacional”. No entanto, dizem, as aplicações financeiras não podem estar relacionadas com a atividade imobiliária. Por sua vez, Raquel Roque, da CRS Advogados, lembra que existem “no mercado dezenas de fundos elegíveis, que se dedicam deste a energia renovável, à atividade agrícola, à economia circular…, mas sempre com a ressalva que se investirem em sociedade cujo objeto seja o investimento imobiliário o investidor não conseguirá qualificar o seu investimento como elegível” para visto gold.

Mas tudo isto pode voltar a mudar. O governo de Luís Montenegro já fez saber que irá revogar “medidas erradas” do programa Mais Habitação, mas não explicitou se essa decisão inclui o regime dos vistos gold.

sonia.s.pereira@dinheirovivo.pt