Eleições legislativas
11 março 2024 às 02h11
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Montanha russa no PS. Da derrota certa ao sonho de vitória e de novo para a derrota

Às 20.20 de ontem o PS apresentava-se derrotado, mas quatro horas depois, perante um enorme volte-face, a tristeza tinha dado lugar a uma enorme expectativa, para não dizer mesmo euforia. Pelas 00.30 Pedro Nuno Santos assumia finalmente a derrota, garantindo que não deixará a liderança da oposição fugir para o Chega.

Pelas 23.30 de ontem, a AD seguia à frente do PS com apenas dois mil votos de vantagem e dois deputados de diferença (77 contra 75). A noite socialista começara pelas 20.20 com o diretor da campanha, João Torres, a reconhecer a derrota - mas cerca de três horas depois o ambiente de tristeza dera lugar a uma expectativa quase eufórica com a possibilidade de, afinal, a derrota não se confirmar. Mas pelas 00h30, Pedro Nuno Santos assumia a derrota, mesmo “tangencial”. Contabilizado todo o território nacional, o PS ficou com 77 deputados, contra 79 para a AD. 

Os socialistas, como de costume, montaram o seu estado-maior no Hotel Altis, em Lisboa. No 13.º andar, Pedro Nuno Santos e a direção do partido roíam as unhas - e o líder do partido aguardava por um mínimo de certezas para falar aos jornalistas. Na sala de imprensa montada na cave, aos cerca de 200 profissionais de comunicação social credenciados pelos serviços do PS iam-se somando mais e mais militantes.

Pelas 23.00 horas, António Costa chegara ao hotel para dar um abraço a Pedro Nuno Santos e foi ele quem deu voz pública ao que toda a gente conversava: afinal o PS podia até nem perder.

O que se passava, disse o antigo líder socialista, é que existia a forte hipótese de as eleições não ficarem esclarecidas neste domingo, tendo de aguardar pelo apuramento dos círculos emigrantes (dois eleitos pela Europa e outros dois pelo círculo de Fora da Europa).

Segundo explicava, afinal o PS e a AD estavam "praticamente empatados", sendo o resultado muito "menos claro" do que o afirmado pelas projeções das 20.00 horas. “Provavelmente não será hoje que se conhecerão os resultados”, dizia, acrescentando ter de se esperar pelo escrutínio dos círculos emigrantes. Para o antigo líder socialista, tudo estava também dependente da contabilidade das “grandes freguesias” de grandes círculos como Lisboa ou o Porto.

Seja como for, Costa reconhecia uma “descida muito significativa” do PS (“e cá estarei para a assumir”) e uma “subida fortíssima” do Chega. E para esta, dizia, seria necessário fazer-se uma análise “serena”, tentando perceber-se no que houve nessa subida de voto de protesto e o que houve de “mudança estrutural” na sociedade portuguesa.

Quanto às perdas do PS, essas, às 23.30, cifravam-se em cerca de meio milhão de votos (de 2,22 milhões à mesma hora nas legislativas de 2022 para 1,74 milhões ontem). E as perdas em eleitos eram enormes: de 120 deputados para 77, faltando ainda atribuir os quatro da emigração9. Havia porém uma  boa notícia a reter pelo lado dos socialistas (e Costa salientou-a falando aos jornalistas): a AD mantinha um resultado relativamente “equivalente” ao da soma do PSD e do CDS em 2022 - ou seja, não crescia.

Cerca de oito horas antes, pelas 16.00, os números confirmavam uma substantiva diminuição da abstenção. Nessa altura, o número de votantes já era superior ao número total de votantes nas legislativas de 2022 (à volta de 5,5 milhões, com a abstenção a rondar os 48%).

Os dados disponíveis apontavam então para um acréscimo, nessa altura, de 700 mil votantes:  5,6 milhões de eleitores, quando há dois anos à mesma hora tinham votado 4,9 milhões de pessoas. Tudo apontava, portanto, para o que acabou por se confirmar: o número total de votantes foi superior a seis milhões (6,14 milhões, para ser exato). O aumento da participação foi de quase um milhão de eleitores.

No Altis, conversando com o DN, um dirigente nacional refletia a dúvida principal dos socialistas com este aumento da afluência: quem é que estes votos beneficiaram? Uma bipolarização entre o PS e a AD? Ou o Chega?

Pelas 20.00 horas, confirmava-se finalmente: nenhuma das projeções transmitidas pelas televisões dava vitória ao PS. Podia até a derrota final ser por margem escassa - mas seria derrota, de qualquer forma (pensava-se então).

Vinte minutos depois, João Torres, diretor da campanha de Pedro Nuno Santos, descia do 13º andar do Altis à cave onde fora instalada a sala de imprensa para assumir a derrota: “As projeções apontam para que o PS tenha sido a segunda força política mais votada nestas eleições. Confirmando-se estas projeções, apontam infelizmente para um resultado que ficou aquém das expectativas que no PS tínhamos e para as quais trabalhámos com grande empenho e dedicação.”

Ao mesmo tempo, deixava entender que o partido não inviabilizará o início de funções de um Governo liderado por Luís Montenegro: “O PS não criará impasses constitucionais no nosso país.”

Contudo, assegurava que ninguém poderia esperar do PS que aprove Orçamentos do Estado apresentados por um Governo liderado pelo PSD: “O PS não é o parceiro natural da AD, não é o parceiro natural da direita no nosso país”, “tem a obrigação de liderar a oposição e de demonstrar que há um caminho e uma visão diferente” e, portanto, “ninguém espera do PS que viabilize orçamentos da direita em Portugal”.

A terceira mensagem importante era para consumo interno. A saber: Pedro Nuno Santos perderia a eleição, mas não iria deixar a liderança do partido. Tem a tarefa de, doravante, “convencer os portugueses e reconciliá-los com as políticas públicas que [o PS] defende, porque são aquelas que também contribuem para uma maior liberdade e igualdade”.

Dito de outra forma: “Hoje, independentemente do resultado eleitoral, abrir-se-ia sempre um novo ciclo no PS. Tenho a certeza de que  não há ninguém militante ou simpatizante do PS que não tenha um grande orgulho e esperança no seu secretário-geral Pedro Nuno Santos, que é um grande porta-estandarte do passado, do presente e, sobretudo, do futuro no PS.”

O jogo socialista parecia ser, portanto, o de aguentar a liderança do partido e ver como é que a direita se organiza. Fernando Medina, ainda ministro das Finanças, foi ao Altis dar um abraço a Pedro Nuno Santos e, à entrada, disse que o novo quadro político “levanta complexidades principalmente à direita”, sendo assim de “grande fragilidade [e de] de instabilidade”.  

Às 00h30, o secretário-geral do PS assumia a derrota. Mas avisava: “O PS nunca deixará a liderança da oposição para o Chega.”