Recursos Humanos no SNS
13 março 2024 às 23h01
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Profissionais estão mais envelhecidos, mais concentrados no Norte e 78% já são mulheres

Organismo do Estado, PlanApp, analisou os recursos do SNS de 2010 a 2023. As conclusões são divulgadas nesta quinta-feira num estudo que revela ter havido crescimento no número de profissionais, mas que estes não foram distribuídos de forma homogénea. Desigualdades só seriam colmatadas com mais 29 443 profissionais.

Ao fim de 50 anos do 25 Abril, e aos olhos da Constituição portuguesa, o Serviço Nacional de Saúde (SNS), ainda considerado por muitos como a “joia da coroa”, continua a ser o componente central do sistema de saúde, mas, a verdade, é que, nos últimos anos, as suas fragilidades têm vindo a ser cada vez mais expostas, sobretudo no que toca à carência de profissionais. Por isso mesmo, os seus profissionais são a “a espinha dorsal” do sistema e o seu ativo mais “valioso”.

O estudo realizado pelo organismo do Estado que tem competências para avaliar os dados da Administração Pública e traçar retratos que depois sustentem a definição das estratégias políticas que cada governo pretende implementar, concluiu mesmo que “a escassez de recursos, a sua  indisponibilidade ou a distribuição desequilibrada, no território e/ou entre os diversos tipos de entidades públicas prestadoras de cuidados de saúde, acarretam impacto negativo direto na eficiência operacional do sistema, na qualidade dos cuidados, na equidade do acesso e dos resultados em saúde e, de um modo geral, no bem-estar da população”.

Esta afirmação consta do estudo que os técnicos do PlanAPP, Centro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospetiva da Administração Pública, levaram a cabo desde o verão do ano passado - depois de lhes ter sido atribuído, pelo Despacho n.º 7985/2023 de 3 de agosto, emitido pelos gabinetes da Ministra da Presidência e do Secretário de Estado da Saúde - a missão de realizar um conjunto de trabalhos sobre os Recursos Humanos (RH) do SNS.

O estudo que é divulgado nesta quinta-feira é o segundo desta coleção, mas o primeiro no âmbito do Estado a fazer o retrato da “força de trabalho” do serviço público, por classes profissionais, por setor produtivo, hospitais e cuidados primários, distribuição geográfica, densidade populacional, género e idade, num período temporal de 13 anos, já que os dados analisados vão de 2010 a junho de 2023, embora com uma divisão entre 2017 e 2023, já que, assume o PlanAPP, a partir daqui foi mais difícil de de obter alguns dados sobre determinadas áreas.

Depois deste estudo, seguir-se-ão mais outros dois, o terceiro já está em andamento, tal como o DN noticiou em janeiro, e tem como missão avaliar a “organização do tempo de trabalho dos recursos humanos no SNS e no setor privado, que funciona como complementar”, tendo em conta fatores como “a satisfação profissional de médicos e enfermeiros e o que pode fazer a diferença na retenção destes no SNS”. 


Melhor gestão de recursos, maior eficácia


No que toca a alertas, o primeiro vai para as prioridades a definir no futuro, sendo certo que qualquer planeamento estratégico tem de apostar numa melhor gestão dos recursos para se obter mais resultados.“No contexto do SNS português, a melhoria da eficácia da gestão de Recursos Humanos da Saúde (RHS) é essencial para superar alguns dos desafios complexos que o mesmo hoje enfrenta, como a escassez de recursos e a crescente procura por serviços clínicos, relacionada em parte com o marcado envelhecimento da nossa população, traduzida em problemas de acesso a cuidados de saúde”, refere o documento.

E no que toca a desafios, um deles será o de saber como remodelar um sistema cujo tecido profissional assenta em mais de 78,5% de mulheres, em que só 27,8% está entre os 35 e os 44 anos, 34,4% estão integrados na classe da enfermagem, 79,4% trabalham nos Cuidados de Saúde Hospitalares (CSH), e 36,3% estão concentrados na região Norte. Sobre as conclusões podem dizer-se que não surpreendem muito, já que a análise dos dados recolhidos demonstra que, de uma forma generalizada e em números absolutos, houve um aumento “consistente” do número de profissionais (NP) no SNS, entre 2010 e 2023, representando um crescimento médio anual de 1,7% nos primeiros sete anos, e de 3,2% entre 2017 e 2023. 


Só que, este crescimento não aconteceu de forma “homogénea” em relação à distribuição dos recursos por classe profissional, por regiões ou por densidade populacional, o que reflete também “as decisões legais sobre o Período Normal de Trabalho (PNT) ocorridas ao longo do período, bem como o efeito da pandemia entre 2020/21, contrastando com um ritmo bastante mais moderado de aumento dos RH do SNS, de então para cá”, destaca o estudo. 


Talvez por isto, tenha sido concluído que, afinal, e apesar do aumento do NP em termos absolutos, seriam precisos mais 29 443 profissionais para reforçar as falhas detetadas, sobretudo na classe médica nas Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo e do Algarve, já que a ARS do Norte é a que tem mais recursos, mas se tal acontece deve-se a “melhor gestão” e “melhor contratação”. Fatores considerados vitais para uma maior eficácia da resposta do SNS. Sendo necessários mais 17 061 profissionais nos hospitais e mais 12 382 nos centros de saúde.


Regresso das 35 horas semanais pode ter feito crescer classe de enfermagem


Quanto ao número de profissionais, o estudo fixa um total de 151 851, em junho de 2023, 50 889 enfermeiros, sendo esta a classe mais representada, 22 005 médicos especialistas e 10 463 médicos internos, os restantes, 83 357, estão divididos pelas outras categorias profissionais - Farmacêuticos, Técnicos de Saúde e de Diagnóstico e Terapêutica (TSDT), Técnicos de Superiores de Saúde (TSS), Técnicos Superiores (TS) e Assistentes Operacionais (AO). Quando em 2010, total era de 121 894.

Ao comparar-se, em termos absolutos, o crescimento do NP entre enfermeiros, médicos internos e médicos especialistas, o estudo conclui que os primeiros registaram o maior crescimento nos 13 anos analisados, havendo mais 11 442 enfermeiros em junho de 2023 do que em 2010.

A explicação para esta evolução, refere o estudo, pode estar relacionada com a reposição dos tempos de trabalho, nomeadamente do tempo normal de trabalho. “A partir de meados de 2016, deu-se o regresso do Período Normal de Trabalho” - ou seja, horários semanais de 35 horas, que é precisamente uma das maiores reivindicações da classe médica. 


Relativamente à classe médica, os dados analisados revelam que “o maior crescimento ocorreu no grupo dos Médicos Internos, com um acréscimo de 74,8% entre 2010 e 2023”.

O estudo destaca ainda que o efeito da integração dos profissionais dos hospitais que funcionavam em regime de Parceria Público Privada (PPP) nos hospitais públicos, “representou um acréscimo de 4,6% da força de trabalho no SNS no período de 2010 a 2013. Sem este acréscimo, a taxa de variação média anual de aumento de recursos humanos, avaliada em NP, seria de cerca de 1,3%, ao invés dos 1,7%”. 


Quanto à evolução detalhada sobre o número de profissionais, entre 2017 e 2023, os técnicos do PlanAPP explicam que só puderam analisar “os recursos medidos em tempo completo (Equivalente a Tempo Completo - ECT)”, já que esta métrica permite “uma análise com maior precisão”.

E foi neste contexto que os dados revelaram que “o NP cresceu de forma consistente” anualmente, com uma taxa média de 1,7%, de 2010 a 2107, e daqui até 2023, com uma taxa média ao ano de 3,2%.

No entanto, sublinham, que para o crescimento atingido nestes últimos cinco anos contribuiu “o forte crescimento de recursos registado durante a pandemia”, podendo também ter contribuído para esta “tendência crescente os contratos com horários inferiores ao Período Normal de Trabalho”. 


 Segundo a análise da variação dos horários por tempo completo (os tais ETC), por grupo profissional, o estudo evidencia que, ao contrário das outras classes profissionais, a médica, na sua esmagadora maioria, cumpre, efetivamente, um horário semanal superior no SNS. “Todos os grupos profissionais, com exceção o dos Médicos Especialistas, possuem um valor de ETC e NP próximos, o que significa que a generalidade dos profissionais realiza jornadas de 35 horas semanais, não optando por horários a tempo parcial. Todavia, no caso dos Médicos Especialistas, cujo PNT se mantém nas 40 horas semanais e não em 35, o rácio de ETC face a NP é de 96%, significando que o horário de trabalho médico é efetivamente de 42 horas.” 

Hospitais concentram três em cada quatro profissionais


Na análise por setores produtivos, percebe-se que a maior concentração de profissionais está nos Cuidados de Saúde Hospitalares (CSH), já que “emprega cerca de três em cada quatro profissionais do SNS”. O estudo especifica ainda que que “a variação média destes recursos, entre 2017 e 2023, é de cerca de 0,31 pp (por pessoa) ao ano da sua representatividade, enquanto nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) ocorreu uma diminuição média de cerca de 0,27 pp ao ano do seu peso na estrutura dos recursos humanos da saúde”.

O cenário faz até os técnicos do PlanAPP questionarem esta “efetiva centralidade” nos CSH, quando, em termos de políticas de saúde, “é considerado desejável” que os recursos estivessem mais centralizados nos CSP”.

Em termos de crescimento dos grupos profissionais do SNS, concluiu-se que foi “mais forte nos CSH, em todos os grupos profissionais, exceto no caso dos Técnicos Superiores (TS)”, do que nos Cuidados Primários de Saúde, onde a redução de profissionais aconteceu na classe dos Assistentes Operacionais (AO).

Sobre as classes com crescimento mais acentuado nos hospitais, o estudo refere que este foi registado nos médicos especialistas e nos Técnicos de Saúde de Diagnóstico e Terapêutica, com estas classes a registarem crescimentos médios anuais de 4,2% e 3,5%, respetivamente.

Nos CSP, o maior crescimento linear ocorreu entre os Técnicos Superiores (TS), com taxas médias anuais de variação de 3,9% e 3,8%. Os Serviços Centrais são o setor que apresenta menor crescimento de profissionais em tempo completo, na generalidade dos grupos profissionais, havendo inclusive variações negativas. 


Na análise feita por género e idade para a generalidade dos RH do SNS pode dizer-se que estes são sobretudo mulheres, sobretudo profissionais que tenderam a envelhecer, havendo, no entanto, alguma tendência de rejuvenescimento nalgumas classes, como enfermeiros, técnicos e até nos médicos especialistas.

“Os profissionais do SNS são essencialmente mulheres: a taxa de feminização é sempre superior a 60% em qualquer grupo profissional e, se excluirmos os médicos (internos e especialistas), é sempre superior a 75%, nos vários anos em análise. O grupo profissional com a maior taxa de feminização é o dos Farmacêuticos. Em geral a taxa de feminização mantém-se estável na generalidade dos grupos profissionais, exceto no grupo dos Médicos Especialistas, para o qual se verifica um crescimento (perto de cinco pontos percentuais), entre 2017 e 2023”, refere o documento.


Perda de médicos jovens leva a maior participaçãodos mais velhos


Relativamente à idade, o estudo revela que uma tendência de envelhecimento na “maioria dos grupos profissionais, concretamente enfermeiros, TSDT, TSS, TS e AT”, sendo que Farmacêuticos e AO apresentam uma estrutura etária estável”.

No caso dos “médicos especialistas, há, em contra tendência, algum rejuvenescimento com maior representação relativa de grupos etários mais jovens no final do período analisado, junho de 2023, (o grupo até aos 44 anos cresceu 13,5)”.

Por outro lado, no grupo dos médicos especialistas, é destacado que “a participação de profissionais com mais de 65 anos cresceu 5,7 pp no período em análise”, mas que houve “forte perda de representatividade dos médicos mais jovens, entre os 45 e os 64 anos”. 

E este retrato etário lança outro alerta: “O rácio de médicos especialistas e de médicos internos pode levar à disrupção na formação”. Isto porque, “a relação de Médicos Internos face aos Médicos Especialistas, atendendo a que os Médicos Especialistas são, em grande parte, responsáveis pela formação dos Médicos Internos, e que, para além desta, os especialistas têm de exercer a sua atividade clínica normal, é desejável que o valor do rácio internos / especialistas não seja demasiado elevado”. 


O estudo explica que, tendo em conta a análise do total nacional de médicos, entre 2017 e 2023, o rácio de médicos internos e médicos especialistas é, em média, cerca de dois médicos especialistas por cada médico interno. Contudo, quando este total nacional é dividido por regiões e setores produtivos, o rácio é mais desfavorável nos hospitais do que nos cuidados primários.

Por exemplo, em junho de 2023, nos hospitais, o rácio entre médicos internos e especialistas mais crítico foi identificado na ARS do Algarve, ao passo que nos cuidados primários o mais crítico está na ARSLVT.

No documento sublinha-se que, “atendendo ao elevado valor do rácio em alguns casos, e dada a evolução da estrutura etária do grupo dos médicos especialistas, parece mesmo poder haver algum risco de disrupção da capacidade formativa, ou impactos sérios na qualidade da mesma, a menos que, de algum modo, se consiga aumentar o número de especialistas no SNS e se consigam reduzir estes rácios”.


Mas para tudo há uma solução. O estudo considera que tal pode ser conseguido com “a retenção dos médicos seniores no SNS”, através do “alargamento (voluntário) da sua jornada de trabalho até plena reposição do respetivo PNT e/ou incrementando a contratação/retenção pelo SNS de médicos seniores que hoje possam estar em exclusivo a trabalhar no setor privado”.