Susana Peralta, economista da Universidade Nova SBE, diz que encontrou num documento do PSD sobre a reforma fiscal “uma questão que se pode associar a essa ideia de subsidiodependência, que é a de que o desenho das transferências sociais pode levar a um desincentivo ao trabalho”. Uma noção que Peralta admite poder fazer sentido, quando, por exemplo, as condições de recurso a certos apoios sociais fazem com que não compense aceitar trabalhos mal remunerados, que depois fazem perder esses mesmos apoios. “Essa é uma ideia séria e importante”, sublinha a economista, que refuta a noção de “subsidiodependência” como uma “ideia estigmatizante”.
Neste momento, a atribuição do RSI tem em conta, para a condição de recursos, 50% dos rendimentos do trabalho auferidos. “No fundo, isso é uma taxa de imposto altíssima”, critica Peralta, defendendo que se deve “desenhar a condição de recursos, por forma a que a penalização pelo trabalho seja menor”.
Ainda assim, Frederico Cantante não tem dúvidas: “Trabalhar compensa.” Porquê? Porque “o diferencial entre o salário mínimo nacional e o valor de referência para as prestações tendeu a agudizar-se”. Em 2023, o valor de referência do RSI era de 209,11 euros (mais 118,63 euros por cada menor dependente) e o salário mínimo está desde 1 de janeiro nos 820 euros.
Renato Carmo também não aceita a ideia de que quem recorre a apoios sociais não quer trabalhar, mas sim que a maioria não consegue trabalhar. “As pessoas que estão no subsídio de desemprego já trabalharam, já contribuíram e muitas vezes não conseguem regressar ao mercado de trabalho”, nota o sociólogo, frisando que os desempregados são cerca de 50% das pessoas em risco de pobreza.
Outra fatia importante dos mais pobres que precisam de apoios sociais são as crianças e jovens. De acordo com estatísticas de janeiro de 2023, os menores de 18 anos representavam 32,4% dos beneficiários do RSI. “Os que recebem prestações sociais, na sua maioria, ou trabalham, ou já trabalharam ou não têm idade para trabalhar”, vinca Renato Carmo.
Segundo um relatório do Ministério da Solidariedade e Segurança Social para assinalar os 20 anos de RSI, só 2,1% das pessoas que deixaram de receber este apoio perdeu direito a ele “por falta ou recusa de uma ação ou medida do Contrato de Inserção ou falta à convocatória do IEFP/SS”. Apenas 1,7% ficou sem RSI “por recusa de oferta de atividade socialmente útil/formação profissional/trabalho conveniente/trabalho socialmente necessário”. E só 0,4% deixou de receber RSI “por ter prestado falsas declarações”.
Na maioria dos casos, ou seja 24,1%, a cessação do apoio deu-se por “alteração de rendimentos e/ou composição do agregado familiar”. E há quem tenha começado a trabalhar já depois de passar a receber o RSI: segundo o mesmo relatório, era o caso de 7,9% dos beneficiários deste apoio em 2017. Susana Peralta nota que “há uma dinâmica que faz com que as pessoas entrem e saiam da pobreza - não se é pobre para sempre”.
Frederico Cantante explica que isso se nota na evolução do número de beneficiários do RSI, que “está relacionada com o ciclo económico”. Isto é, quando a economia cresce tende a diminuir o número de pessoas que recebem o RSI. Cantante diz que a exceção foi o Governo de Passos e Portas: “Isso não se verificou entre 2011 e 2013, porque as regras mudaram e dificultaram o acesso a esse apoio.”
Dados revelados em março de 2023 mostram, aliás, que o número de beneficiários do RSI é o mais baixo dos últimos 17 anos.
O estudo A pobreza em Portugal: tendências e conjeturas mostra que, antes de qualquer transferência social, a taxa de risco de pobreza em 2022 era de 41,8%, ou seja, abrange quase metade da população. Ela só baixa para os 21,2% após as transferências relativas a pensões de reforma e sobrevivência e fica nos tais 17%, depois das restantes transferências sociais, que incluem subsídios por doença e incapacidade, família, desemprego e inclusão social, como o RSI.