50 anos do 25 de abril
23 abril 2024 às 15h53
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Onde eu estava... por Margarida Sizenando Cunha

Nasceu em junho de 1954, em São João de Loure, Albergaria-a-Velha. É médica fisiatra

“No dia 25 de Abril, saí de manhã - como de costume - com o meu marido, João Duarte, para a Escola da Mealhada onde ambos “dávamos aulas” de Educação Física. Éramos estudantes de Medicina em Coimbra, casados apenas há sete meses. Só quando lá chegámos (no fantástico Fiat 600 sem rádio) demos conta do Movimento, surpreendidos - como todos - com o coração cheio de esperança e alegria: É desta!

Tinha 19 anos, foi um dia transcendente. A minha filha iria nascer na Liberdade. Sempre fui ativa e ativista. Com 12 anos integrei o revolucionário grupo de teatro do CITAC (1966) onde participei no mais belo e avant-garde espetáculo de sempre – “O Grande Teatro do Mundo” – eu era a miúda no meio dos crescidos. Levámos o espetáculo a todo o lado, desde Coimbra (no magnífico Teatro Avenida) até Paris, Liège, Lisboa. Foi um tempo determinante no meu crescimento: Victor Garcia, encenador, Michel Launay , figurinista e cenógrafo, e todos os companheiros – Lopes Dias (Didi), Germano de Sousa, João Rodrigues, Joaquim Pais Brito, o meu irmão Fernando Cunha e tantos outros que me acarinharam e revelaram a beleza do espetáculo enquanto intervenção política e estética.

Já na faculdade, com o CITAC encerrado pelas autoridades, integrei o TEUC onde fiz um pouco de tudo: palco, luz, cena, até costura. Sempre “toureando” a censura, levámos à cena excelentes obras com magníficos encenadores – Júlio Castronuovo, Fernando Gusmão, José Barata. “Woyzeck” e “O Asno” foram peças notáveis no pré 25 de Abril, sem esquecer o Teatro Infantil e a alegria que era cada apresentação de “Mel, Pastel e um Boneco de Papel” com a participação estimuladora da miudagem.

A Clepsidra era o ponto de encontro, onde varávamos noites à conversa ouvindo o Joaquim Namorado ou o Orlando de Carvalho entre campeonatos de matraquilhos e artes de sedução.

A intervenção através da festa já vinha de criança. Nasci numa família numerosa (dez irmãos) e “do contra” onde os valores da Democracia, da República e da Liberdade foram sempre vividos, conduzidos pelo nosso Pai - sempre com a sua mulher ao lado e os filhos pela mão - que fazia da festa uma arma contra o Estado Novo. Quem viveu os “5 de Outubro” em nossa

casa, não esquece. A casa e o jardim iluminados por luzes verdes e vermelhas e até os dois cágados eram pintados com as cores da República.

Não havia antifascista que não marcasse presença: lembro Raúl Rego, Mário e Cecília Sacramento, os Vaz Velho, os Seabra, os Figueiredo Leite e tantos outros, muitos na clandestinidade. Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire, os amigos do CITAC - entre tantas centenas - eram presença certa.

O melhor do dia era a chegada da GNR logo de manhã, para cobrar a multa de contos de reis que o meu Pai pagava em moedas pretas (de 1 e 2 tostões) obrigando-os a contar uma a uma. No fim dava-lhes um cálice de vinho do Porto, gritava Viva a República e eles lá iam à sua vidinha encabulados.

Vestíamos de verde e vermelho, lançavam-se morteiros e a festa terminava à noite com foguetes de lágrimas verdes e vermelhas entre gritos de Viva a República e Abaixo Salazar.

E foi assim que cresci.”

Depoimento recolhido por Alexandra Tavares-Teles