Forças Armadas
24 janeiro 2024 às 07h05
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Número de militares em mínimo histórico. Generais relatam situação "insustentável"

Generais escreveram uma carta a Marcelo a denunciar a situação "gravosa" das Forças Armadas. “No contexto atual em que se agravam as situações de guerra no mundo e às portas da Europa, é grave que não se tenha ainda ouvido uma palavra sobre Defesa por parte de nenhum dos partidos políticos”, sublinha Melo Gomes.

O número de militares ao serviço das Forças Armadas a 31 de dezembro passado era de 21 080, de acordo com dados revelados pelos oficiais-generais do Grupo de Reflexão Estratégia Independente (GREI) numa carta que entregaram esta semana ao Presidente da República e aos grupos parlamentares.

Volta a ser uma queda histórica do efetivo, com a soma dos militares do Exército, Força Aérea e Marinha a ser menor do que, por exemplo os da GNR (22 789 em 2022). Os dados oficiais de 2023 ainda não estão disponíveis, segundo respondeu ao DN o Ministério da Defesa Nacional, mas a confirmar-se, como assinalam os oficiais generais na missiva, as Forças Armadas nacionais contam apenas com “68% dos 30 840 autorizados pelo Decreto-Lei 6/2022, de 07 de janeiro, quantitativos esses bastante reduzidos, se se considerar o valor superior do intervalo (30 000 - 32 000) previstos na Reforma Defesa 2020, de 2013, e cujo estudo e racional que os sustentaram são desconhecidos”.

Esta nova queda não será, no entanto, uma surpresa. Tem sido contínua, com exceção do período da pandemia durante o qual foi possível aos militares em regime de contrato prolongarem os mesmos. Os últimos números do MDN disponíveis, relativos a dezembro de 2022, indicam que nessa altura eram 22 023 (apenas quadro permanente ativo, regimes de contrato e militares na reserva na efetividade de serviço).

Muitos deveres, poucos direitos

Para os oficiais-generais do GREI, que em 2020 já tinha advertido publicamente para o estado de “pré-falência” das Forças Armadas, é preciso voltar a colocar o tema na agenda. “No contexto atual em que se agravam as situações de guerra no mundo e às portas da Europa, é grave que não se tenha ainda ouvido uma palavra sobre Defesa e Forças Armadas por parte de nenhum dos partidos políticos”, sublinha o almirante Melo Gomes, ex-chefe de Estado-Maior da Armada e presidente da assembleia-geral do GREI, que assina o documento com o general Pinto Ramalho, ex-chefe de Estado-Maior do Exército e presidente da direção, e o general Taveira Martins, ex-Chefe de Estado-Maior da Força Aérea e presidente do conselho geral do GREI.
Intitulada "A insustentável situação dos militares das Forças Armadas", na carta de nove páginas destacam que é no “fator humano”, ao nível da “seleção, do recrutamento e retenção que as dificuldades que se sentem são maiores e mais gravosas”.

Para o GREI “é, sem dúvida - a falta de pessoal - o maior dos problemas”.

No documento são identificadas algumas causas que, no entender dos generais, mais têm contribuído, para o “abandono das fileiras”. Recordam o estatuto da condição militar de 1989, “um compromisso equilibrado e aceitável entre deveres e direitos aplicados aos militares”. Atualmente, asseveram, “, os direitos foram sendo progressivamente eliminados, e/ou deturpados pelos sucessivos Governos, uns por ação, ao terem aprovado as medidas restritivas aos direitos dos militares, outros por omissão, ao não terem a sensibilidade necessária para os corrigir e reverter, como seria justo e conforme ao espírito e letra da própria lei”.

À cabeça dos deveres está a “renúncia a direitos, liberdades e garantias que a CRP atribui a todos os cidadãos, e a obrigação de dar a vida pela Pátria, na defesa de Portugal e dos portugueses”.

A demora na progressão na carreira profissional, a enfraquecida assistência médica e vencimentos baixos são outras das causas elencadas. No que diz respeito ao sistema remuneratório, acusam os Governos de conduzirem a uma situação que consideram “inadmissível, e que importa reverter tão breve quanto possível e antes que seja demasiado tarde e de consequências ainda mais gravosas para a Defesa Nacional (e sinais disso mesmo, convenhamos, já vão surgindo)”.

Repto ao poder político

A título de exemplo, citam uma análise às pensões de reforma de todos os funcionários dos Ministérios da Defesa, da Justiça, da Saúde e da Ciência Tecnologia e Ensino Superior, na qual se conclui que na Defesa, em 2022, apenas 9% auferiam pensões superiores a 3000 euros, enquanto nos outros ministérios essa percentagem, era, em média, quase 40%.

“Esta desigualdade, resultante de medidas avulso, mas sempre penalizadoras, que os Governos vão aprovando, tem levado, por razões básicas de sobrevivência, e como já referido, à saída extemporânea das fileiras não só de Praças, cuja situação é crítica, mas também de Sargentos e Oficiais, mesmo dos Quadros Permanentes, particularmente em classes, armas, serviços e especialidades mais competitivas no mercado laboral, como médicos, engenheiros, pilotos e outras. Até parece que o objetivo prosseguido é depauperar as FFAA dos seus recursos humanos, deixá-las esgotarem-se e, assim, exauridas, chegarem à extinção.”

O GREI olha para a comemoração do cinquentenário da Revolução de Abril, neste ano de 2024, como um “excelente pretexto” para em complemento dos discursos de circunstância, olhar para as Forças Armadas com a dignidade, a importância e o espaço próprio, que lhes é devido na Sociedade Portuguesa”.

Concluem com um repto ao poder político: “Deverá ter por imperativo a defesa dos justos interesses dos militares, por serem os únicos servidores públicos que, de acordo com a lei, não têm capacidade reivindicativa, sob pena de, se tal não ocorrer, se virem a alterar as condições éticas e de vínculo do exercício da sua profissão.”