Bruno Ferreira, cineasta que foi à bruxa
Bruno Ferreira, cineasta que foi à bruxaReinaldo Rodrigues / Global imagens

IndieLisboa. O Ouro e o Mundo vence melhor 'longa' portuguesa

Terminou o IndieLisboa. E com uma vitória algo surpreendente nas longas nacionais, 'O Ouro e o Mundo', de Ico Costa, sobretudo depois do “furacão” 'Banzo', de Margarida Cardoso. Nas curtas, Tânia Dinis consagrada e, na competição internacional, o Corvo foi para 'Rising up at Night', de Nelson Makengo
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Podem ser feitos muitos balanços ao IndieLisboa deste ano. A edição terminou este domingo teve muitas salas esgotadas e terá passado a barreira dos 30 mil bilhetes, mas para além do sucesso comercial do festival, ficará sempre a apanha qualitativa do cinema português. Uma competição que nas longas revelou um momento forte da nossa cinematografia.

Ico Costa venceu com O Ouro e o Mundo, mas é bem verdade que a ausência de Banzo, de Margarida Cardoso é quase uma afronta àquele que é bem capaz de ser o melhor filme português dos últimos anos, uma majestosa evocação de um passado colonialista português filmada com uma dolência sedutora por uma realizadora que aqui abre o livro. Ainda assim, teve dois prémios paralelos: Árvore da Vida e o do júri das universidades.

O júri deu o prémio de realização a Mãos no Fogo, de Margarida Gil, e a Greice, de Leonardo Mouramateus, enquanto que nas curtas a vitória foi para uma outra cineasta, Tânia Dinis em Tão Pequeninas, Tinham o Ar de Serem Já Crescidas, uma sensível investigação sobre histórias de criadas idosas no Porto. Um filme de diálogos sinceros, feito com o coração nas mãos e com um questionamento audaz acerca de um passado recente de escravidão patriarcal. Eis uma obra que escapa ao habitual olhar de colocar pitorescas as velhinhas com sotaque.

Na competição internacional, sempre um dos calcanhares de Aquiles do Indie, a vitória sorriu a Rising Up at Night, de Nelson Makengo, enquanto a menção do Prémio Especial do Júri foi para O Auge Humano 3, de Eduardo Williams, curiosamente, em estreia nas salas já esta quinta-feira.

Na secção Silvestre, cada vez mais forte, vitória para um filme já consagrado desde 2023, A Quimera, de Alice Rohrwacher, também nas salas já esta semana.

Chamada de atenção para a secção Novíssimos, onde se aposta em nomes emergentes e aí venceu David Ferreira com Campos Belos, surpresa de Guimarães já anteriormente descoberta no Curtas Vila do Conde.

"Este é o momento “turning point” do nosso cinema! "

Conversa com Bruno Ferreira, o cineasta vencedor do Prémio Novo Talento nas curtas-metragens. Nunca Mais é Demasiado Tempo foi o filme que agitou a competição nacional.

Bruno Ferreira, cineasta e realizado e “Nunca Mais é Demasiado Tempo” vencedor Prémio Novo Talento The Yellow Color do IndieLisboa 2024
Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

Uma curta que nasce supostamente por acidente. Chama-se Nunca Mais é Demasiado Tempo, de Bruno Ferreira e venceu o Prémio Novo Talento do júri. Prémio justíssimo para um filme que talvez tenha sido o “agrada-multidões” da competição nacional. Cinema livre, puro e com jogo lúdico tão meta como poético. Uma equipa de filmagens sem uma atriz que acerta num plano B de rodagem comandado por uma vidente. Ou o prazer puro de filmar.. O DN entrevistou o cineasta, que já antes tinha mostrado coisas novas em Pas de Confettis (2018) e Rastro (2021).

Vê este prémio Novo Talento como incentivo?
É óptimo! Além de ser um prémio de “novo talento”, creio que funciona como um afirmar que o meu filme é a revelação nesta competição. Ainda para mais, um prémio que já foi ganho no passado por pessoas que admiro bastante. Será também um prémio que vai desbloquear algumas coisas para o futuro e poderá dar algumas perspectivas para financiamentos.

Este foi um ano em que se viu uma vez mais neste festival uma vitalidade muito bonita do cinema português. Como parte integrante desta seleção sentiu essa energia?
Sim, foi muito fixe. Isso foi muito falado entre os cineastas e até nos discursos de entrega dos prémios. Sinto que está a haver uma sede muito grande em filmar, um fervilhar. Este é o momento “turning point” do nosso cinema! As curtas portuguesas estão muito fortes e com um relevante sentido de colaboração. Por exemplo, o meu filme foi feito sem dinheiro do ICA.

A ideia agora é continuar nas curtas-metragens?
Tenho dois projetos para longa que estão escritos e um deles vou tentar submeter à candidatura de Primeira Obra no instituto. Mas esse é um formato que só poderei alcançar com financiamento...É impossível fazer como tenho feito em modo de rock n' roll as minhas curtas. Até lá, vou fazer mais curtas. Não me apetece parar e este acidente planeado deu-me muita pica para continuar a filmar ficção neste formato.

A maneira como filma rostos em todo o seu cinema dá a sensação que é um realizador de atores...
Eu amo atores! Adoro dirigir atores e amo realmente a profissão do ator, o seu métier. Os atores são quem mais se expõe num processo cinematográfico. No meu trabalho tento sempre protegê-los ao máximo, criando sempre relações fortes com eles, deixando-os muito à vontade, como se fossem lá de casa.

O que quer dar ao cinema português?
Acima tudo que as pessoas se entretenham com o meu cinema.

Mas “entreter” não será uma palavra perigosa?
Eu sei que é perigosa. Mas esta pode ser uma altura boa para brincar com aquele fatalismo do cinema português e, a partir daí, rirmo-nos de nós próprios. É preciso não nos levarmos tão a sério. Gosto do equilíbrio entre o riso e o dramático.

Vem da publicidade e dos videoclipes. Não sente que aquele preconceito com cineastas oriundos dessa área já não é o mesmo?
Sim, felizmente tem vindo a desaparecer. A publicidade é uma ótima escola e dá-nos um pensamento rápido que é bom. E é com a publicidade que tenho liberdade para ter conexões que me permitem fazer o meu cinema com rock n'roll.

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