Golden Globes
09 janeiro 2024 às 07h49
Leitura: 5 min

Na ausência de Ricky Gervais

A Associação da Imprensa Estrangeira de Hollywood precisava de superar a crise de identidade vivida em anos recentes: a cerimónia do Beverly Hilton Hotel foi uma tentativa esforçada para, pelo menos, recuperar uma imagem importante no interior da chamada temporada dos prémios.

Em 2020, no salão do Beverly Hilton Hotel, Ricky Gervais começara a apresentação dos Golden Globes, dizendo: “Ficarão contentes por saber que esta é a última vez que apresento estes prémios. Já não me importo.” A confissão parecia envolver alguma auto-crítica, uma vez que, em edições anteriores, o seu humor provocatório nem sempre tinha sido bem recebido por algumas personalidades da comunidade de Hollywood. Mas se ele “já não se importava”, convém não esquecer o que disse logo a seguir: “Estou a brincar — nunca me importei.”

A herança de Ricky Gervais estaria longe de ser o problema maior com que se confrontava a entidade que atribui os Golden Globes — a Associação da Imprensa Estrangeira de Hollywood [HFPA] — para organizar esta sua 81ª cerimónia de prémios. O apelo lendário do cenário tradicional do Beverly Hilton não bastava, de facto, para garantir a frescura de um novo começo, uma vez que ninguém esqueceu as acusações de falta de diversidade interna e nepotismo na atribuição dos prémios de que a HFPA foi alvo (na sequência de uma detalhada investigação do Los Angeles Times, publicada em fevereiro de 2021).

O certo é que, como num sessão psicanalítica de um filme da década de 1940 realizado por um mau discípulo de Hitchcock, Ricky Gervais saíu pela porta, mas regressou ao local do crime, agora pela janela… Mais exactamente: o seu mais recente espectáculo, Armageddon (Netflix), vertiginosa e contundente desmontagem do simplismo abusivo do politicamente correcto, não só surgiu nomeado numa nova categoria (melhor comédia stand-up em televisão) como acabou por… ganhar! Com um suplemento dramático, este genuinamente hitchcockiano: o seu autor não apareceu.

Como se isto não bastasse, a escolha do apresentador, o comediante Jo Koy (também presente na Netflix com vários espectáculos de stand-up) traduziu-se numa performance, no mínimo, débil, sustentada por um texto francamente pouco inspirado, queixando-se o próprio de ter sido uma segunda escolha, com pouquíssimo tempo para preparar a sua intervenção — na segunda-feira, a avaliação crítica do seu trabalho por publicações de referência como a Variety e The Hollywood Reporter foi, no mínimo, devastadora. O que, importa sublinhar, não impediu que fosse recordado, e devidamente valorizado, o facto de a HFPA manter uma importante actividade filantrópica, tanto em processos de restauro de títulos clássicos da história do cinema, como na atribuição de bolsas a estudantes de cinema.

A questão da diversidade

Em todo o caso, o trunfo principal da cerimónia deste ano foi o consumar de uma estratégia de alargamento e, nessa medida, de diversificação da própria “base eleitoral” dos prémios. Depois de muitos anos em que os Golden Globes resultaram dos votos de um conjunto de oito ou nove dezenas de jornalistas, correspondentes em Hollywood, a crise de identidade vivida em anos recentes levou a HFPA a dirigir convites a muitos profissionais das mais variadas origens, da Europa e também, segundo um comunicado oficial, de países como Camarões, Costa Rica, Cuba, Guatemala, Kazaquistão, Malásia e Tanzânia.

Daí a pergunta “automática”: até que ponto tal diversificação teve influência nos resultados deste ano? Ou pode vir a marcar futuras edições de um evento que, para todos os efeitos, pontua, com indiscutível importância, a temporada dos prémios? Em boa verdade, ninguém sabe. Seja como for, importa resistir a um cliché jornalístico (que a própria HFPA não se preocupava em corrigir) segundo o qual os Golden Globes seriam uma “antecipação” dos Óscares.

As coincidências sempre existiram, como é óbvio, até porque a existência das categorias de “drama” e “musical e comédia” tende a duplicar essa possibilidade. Acontece que os Óscares se enraizam num universo — o imenso colectivo de profissionais que trabalham em todas as áreas artísticas da indústria — marcado por lógicas e valores muito específicos. Isto sem esquecer que, segundo uma análise publicada pelo site The Wrap (no passado dia 18 de dezembro), as nomeações e as estatuetas douradas serão decididas por 9.797 votantes — saberemos os resultados na madrugada de 10 para 11 de março.