A escassas seis semanas das eleições europeias colocam-se vários pontos de interrogação sobre aquela que parecia a maior certeza para os próximos cinco anos: a recondução de Ursula von der Leyen para o cargo de presidente da Comissão Europeia.
“É óbvio que há sempre uma grande tentação de encontrar possíveis situações de fratura e encontrar divisões no Partido Popular Europeu (PPE), para pôr em causa a reeleição de Von der Leyen”, afirmou ao DN a vice-presidente do grupo parlamentar do PPE, a eurodeputada Lídia Pereira, destacando que nos últimos cinco anos, a atual presidente da Comissão levou a cabo “um mandato muito rico, em situações muito difíceis, com a pandemia e a guerra na Europa”.
“A própria presidente da Comissão trouxe a si uma série de responsabilidades, nomeadamente na coordenação na área da Saúde, que depois se traduziu em iniciativas legislativas para robustecer a capacidade de resposta da União Europeia no plano da Saúde”, destacou, considerando como “o exemplo mais claro” a gestão do processo de vacinação, “que só foi possível fazê-lo numa forma mais rápida e célere, porque a presidente da Comissão Europeia, uma vez mais, trouxe a si essa responsabilidade de coordenação”.
É relativamente consensual, em Bruxelas, que Von der Leyen soube impor-se como líder, alcançando um capital político, na gestão de crises sem precedentes na história da construção europeia, que tornariam natural a sua recondução no cargo.
Contudo, sendo ainda cedo para abordar o tema da futura liderança da Comissão Europeia, uma vez que será necessário aguardar pelo resultado das eleições europeias, de 9 de junho (em Portugal, no resto da UE será entre 6 e 9 desse mês) para conhecer a configuração do Parlamento Europeu, há nos corredores europeus um ruído de fundo sobre a possibilidade de Von der Leyen não continuar na liderança do Executivo comunitário.
O caso mais recente é o Piepergate, assim chamado por alusão ao nome do eurodeputado do partido conservador alemão (CDU), Markus Pieper. O caso relaciona-se com a nomeação de Pieper como enviado da UE para as Pequenas e Médias Empresas. No entanto, o facto de pertencer à mesma família política europeia, e até ao mesmo partido alemão de Ursula von der Leyen, conduziu a que a sua nomeação seja encarada como “favorecimento político”.
Para o Partido Popular Europeu, que integra a CDU alemã, este “é um assunto encerrado”, uma vez que o próprio Pieper “retirou a sua candidatura e o processo de escolha pode continuar”, afirmou ao DN, a eurodeputada Lídia Pereira, para quem “estas notícias não são mais do que o ruído que surge em contextos de alguma incerteza eleitoral”.
Porém, na bancada dos socialistas entende-se que este caso evidenciou, pelo menos, fissuras na liderança de Von der Leyen.
Alguns comissários europeus, incluindo alguns dos mais destacados dentro do Executivo comunitário, manifestaram o seu descontentamento. Foi o caso do comissário com a pasta da Indústria e Mercado Interno, o liberal francês Thierry Breton, ou do comissário com a pasta da Economia, o socialista italiano Paolo Gentiloni, que solicitaram uma revisão transparente e colegiada do processo de nomeação. A crítica foi acompanhada, dentro do Executivo comunitário por outros dois socialistas: Josep Borrell e Nicolas Schmit - respetivamente o chefe da diplomacia europeia e o candidato dos Socialistas e Democratas (S&D) à presidência da Comissão.
O Comissário Europeu do Orçamento e Administração, Johannes Hahn, defendeu a nomeação de Markus Pieper, afirmando, segundo o Politico, que o processo “foi transparente e seguiu todas as regras e procedimentos estabelecidos”. Porém, a controvérsia alcançou um patamar tal que o Parlamento Europeu chegou a votar uma emenda a exigir que a nomeação fosse reconsiderada e o processo de nomeação “transparente”. A emenda, proposta por membros dos Verdes, S&D e Renovar Europa, assinalou a insatisfação relativamente à escolha de Pieper, que teria “sido favorecido” em relação a outros candidatos, “incluindo mulheres”, de Estados-membros “com menor representação”, e com “melhores qualificações” para o cargo.
Com este caso, a que se junta “outro que corre na Justiça”, sobre a transparência na aquisição de vacinas, uma das fontes já citadas afirma que o nome de Von der Leyen acaba por ser fragilizado, num contexto em que “precisará sempre” do voto favorável de outras famílias políticas, como os socialistas, verdes e liberais. “E, assim, não sei o que dizer sobre isso”, afirmou ao DN uma fonte parlamentar questionada sobre se haveria alguma possibilidade de o nome que, à partida, seria quase consensual vir a ser rejeitado para a liderança da Comissão Europeia.
Porém, mesmo fora da família política de Von der Leyen, o socialista Pedro Marques reconhece que a atual presidente “fez um trabalho muito sólido”, durante o seu primeiro mandato. Exemplos disso são “o papel importante” da Comissão durante a pandemia, “numa altura em que era preciso unir os europeus”, ou “a unidade” que Von der Leyen “conseguiu no Conselho” após a agressão russa à Ucrânia.
Porém, a “reação hesitante” de Von der Leyen, tardando em condenar a resposta de Israel aos ataques do Hamas, por outro lado, gera mais divergência naquela que é atualmente a segunda maior força política no Parlamento Europeu. No entanto, há um ideia geral de que Ursula von der Leyen “será sempre uma candidata forte”.
Quando foi eleita como Spitzenkandidat pela maior família política no Parlamento Europeu, no congresso do PPE, a 7 de março, em Bucareste, Roménia, a aparente certeza num segundo mandato foi de imediato questionada pelo seu próprio comissário Thierry Breton, quando este destilou todo o seu azedume numa mensagem na própria conta na rede social X (ex-Twitter), com o detalhe curioso de ser a conta oficial como comissário da Indústria e Mercado Interno.
De acordo com os dados apresentado pelo PPE, 737 delegados tinham direito de voto, mas apenas 591 se registaram para votar. Von der Leyen recolheu 400 votos a favor e 89 contra.
“Apesar das suas qualidades, Ursula von der Leyen foi superada pelo seu próprio partido”, publicou Breton na publicação no X. “A verdadeira questão agora é: ‘É possível (re)confiar a gestão da Europa ao PPE por mais 5 anos, ou 25 anos consecutivos?’ O próprio PPE parece não acreditar no seu candidato”, continuou Breton, levantando a possibilidade de Von der Leyen não continuar como presidente da Comissão, num segundo mandato.
A vice-presidente do grupo parlamentar do PPE considera que se tratou de um gesto de “uma grande deselegância e de uma grande infelicidade”, desde logo por se tratar de “um colega [de Von der Leyen] e que faz parte da equipa da presidente e, portanto, acho que lhe fica muito mal - e fazê-lo, sobretudo, no papel de comissário”, o qual “exigia maior recato”.
“Cada um tem as suas agendas”, salienta Lídia Pereira, admitindo que, sendo Thierry Breton alguém que é “conhecido por fazer o seu finca-pé”, possa neste caso “ter sido enviado por [Emmanuel] Macron [presidente de França] para fazer aquele número”.
“Acho que Macron tem sido dos piores líderes europeus da História. Associado ao chanceler alemão [Olaf Scholz], mas em particular Macron, que se assume como um europeísta convicto, mas não fez nos últimos anos mais do que garantir única e exclusivamente os interesses franceses”, afirma, considerando que Macron “pode estar melindrado com alguma coisa que não tenha conseguido”.
Ao longo da história da construção europeia, a recondução para segundos mandatos não é uma tradição, embora seja possível encontrar exceções, como a de Jaques Delors que, entre 1985 e 1995, cumpriu três mandatos, um dos quais de dois anos. O também alemão Walter Hallstein, o primeiro presidente da Comissão da então Comunidade Europeia, esteve no cargo em 1958 e 1967, porém num longo e único mandato.
Nos anos mais recentes, há vários exemplos de líderes que estiveram à frente das instituições por mais de um mandato, por exemplo, o português Durão Barroso, que liderou a Comissão Europeia entre 2004 e 2014.
No Conselho Europeu, o cargo de presidente, criado com o Tratado de Lisboa, teve até hoje três líderes, todos repetiram o mandato.