Guerra
25 março 2024 às 22h16
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Israel cancela reunião nos EUA após “cessar-fogo imediato” passar na ONU

Washington absteve-se no Conselho de Segurança, abrindo caminho à aprovação de resolução. Israelitas dizem que voto “prejudica” o “esforço de guerra” e a libertação dos reféns.

Mais de cinco meses depois do início da guerra na Faixa de Gaza, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou na segunda-feira, pela primeira vez, uma resolução a defender um “cessar-fogo imediato” no enclave palestiniano - graças à abstenção dos EUA e apesar da ameaça de Israel. O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, tinha ameaçado cancelar a visita de uma delegação a Washington para discutir a operação terrestre em Rafah caso os aliados não usassem o poder de veto e não estava a fazer bluff.

“Este é um claro retrocesso da posição consistente dos EUA no Conselho de Segurança desde o início da guerra”, indicou o Gabinete de Netanyahu num comunicado. O voto na ONU “prejudica tanto o esforço da guerra, como o esforço para a libertação dos reféns”, porque “dá ao Hamas esperança de que a pressão internacional vai permitir-lhes aceitar um cessar-fogo sem a libertação dos reféns”, lia-se ainda no texto onde se anunciava o cancelamento da viagem de dois dos principais conselheiros do primeiro-ministro aos EUA.

O objetivo da viagem do ministro dos Assuntos Estratégicos israelita, Ron Dermer, e do líder do Conselho de Segurança Nacional, Tzachi Hanegbi, era discutir os planos para uma operação terrestre em Rafah. Essa deslocação foi cancelada, mas o ministro da Defesa israelita, Yoav Gallant, estava já em Washington e tinha previsto manter os encontros com o homólogo dos EUA, Lloyd Austin, e com o secretário de Estado, Antony Blinken.

Rafah, na fronteira com o Egito, serve de refúgio a 1,5 milhões de palestinianos e é uma das poucas portas de entrada para a ajuda humanitária no enclave - onde desde o início da guerra já terão morrido mais de 33 mil pessoas. Os planos israelitas para uma operação terrestre nesta cidade estão na origem do distanciamento cada vez maior entre os EUA e Israel, tendo o presidente norte-americano, Joe Biden, conseguido convencer Netanyahu num telefonema a não avançar sem discutir alternativas.

A Casa Branca disse estar “muito desapontada” com o cancelamento da viagem, negando que tenha havido uma mudança da política dos EUA na ONU. O porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby, indicou que por o texto final da resolução não incluir a linguagem que Washington considera essencial - nomeadamente uma condenação do Hamas - não a puderam apoiar, daí a abstenção.

Uma questão de linguagem

A resolução apresentada por Moçambique em nome dos dez países que não são membros permanentes do Conselho de Segurança surgiu depois de, na sexta-feira, Rússia e China terem vetado uma proposta dos EUA por considerarem que a linguagem não era suficientemente clara. Essa resolução dizia ser “imperativo um cessar-fogo imediato e continuado”, que condicionava à libertação dos reféns, mas tanto Moscovo como Pequim defendiam que, na prática, não exigia esse mesmo cessar-fogo.

O texto apresentado na segunda-feira estava inicialmente previsto ser votado logo no sábado, mas foi trabalhado para evitar um novo veto dos EUA - já usado em três ocasiões. A resolução exige “um cessar-fogo imediato durante o mês do Ramadão [que começou a 11 de março] respeitado por todas as partes que possa levar a um cessar-fogo permanente e duradouro”. Pede ainda a “libertação imediata e incondicional dos reféns”, mas não a torna uma condição para o cessar-fogo, assim como “o levantamento de todas as barreiras à entrega de ajuda humanitária”.

A Rússia ainda tentou alterar o texto à última hora para uma versão inicial, que defendia um “cessar-fogo imediato e permanente” - em vez de “duradouro”. O embaixador russo, Vassily Nebenzia, considerou ser “inaceitável” a retirada da palavra “permanente” da proposta final (supostamente a pedido dos norte-americanos), alegando que a sua ausência seria vista como uma autorização para Israel continuar os ataques. A proposta de emenda não foi aceite, tendo o texto final passado com 14 votos a favor e a abstenção dos EUA.

A embaixadora norte-americana na ONU, Linda Thomas-Greenfield, considerou que a resolução vai ao encontro dos esforços diplomáticos que os EUA, junto com o Egito e o Qatar, estão a empreender no Cairo, pedindo aos países que façam pressão para que o Hamas aceite o acordo em cima da mesa. O grupo terrorista palestiniano, responsável pelos ataques de 7 de Outubro - que deixaram cerca de 1200 mortos em Israel - saudou a resolução, mas lembra que é preciso um cessar-fogo que leve à retirada das forças israelitas e reitera a abertura para uma troca de prisioneiros pelos reféns (não é a libertação incondicional defendida no Conselho de Segurança).

O secretário-geral da ONU, António Guterres, defendeu que a resolução - que é vinculativa - “deve ser implementada”, caso contrário será “imperdoável”. Mas o Conselho de Segurança não tem mecanismos para obrigar Israel ou o Hamas a cumprir (apesar de poder apoiar medidas punitivas). No passado, resoluções sobre a construção ilegal dos colonatos na Cisjordânia ocupada foram ignoradas pelas autoridades israelitas.

susana.f.salvador@dn.pt