“Deus queira que nunca caia um bocado de cimento em cima da cabeça de um miúdo!”. Avelino Ferreira agarra-se à fé divina perante o estado a que chegaram os prédios do Bairro do Condado, a antiga Zona J, de Chelas. Estamos no corredor onde se localizam os lotes 563 e 564. “Estes prédios têm 40 anos e nunca tiveram quaisquer obras”, denuncia o fundador da Associação de Moradores do Condado. Por ali, há uma associação onde as crianças do bairro se juntam para várias atividades. “Só que quando está bom tempo os miúdos andam aqui na rua a jogar à bola, na correria, a brincar. Já caíram bocados de cimento dos prédios. Felizmente, nunca aconteceu caírem em cima de alguém. Se isso um dia acontecer, de quem é que vai ser a responsabilidade?”, questiona Avelino Ferreira, que mora no bairro desde a sua fundação, em maio de 1980, e já foi vogal com os pelouros da Higiene Urbana, Iluminação Pública e Habitação, da Junta de Freguesia de Marvila.
Conhece os prédios como as palmas das suas mãos. E desvenda os problemas que ali se vivem. “O principal problema são as infiltrações de águas. Nas esquinas das torres não há nenhuma que não tenha infiltrações de água que passam para dentro das casas”. O caso é sério. “Ainda há pouco tempo, no lote 552, esteve aí a Proteção Civil e os bombeiros. Depois vieram os ‘homens-aranha’ [técnicos de trabalho em alturas] e tiveram de fazer a limpeza”. Noutra torre, de 14 andares, as autoridades não chegaram a tempo. “Tive uma reunião em maio com o presidente da Gebalis [empresa gestora dos bairros municipais de Lisboa] e com a Filipa Roseta [vereadora com o pelouro da Habitação da Câmara Municipal de Lisboa, CML]. Apontei para o lote 546 porque estava a formar-se um balão muito grande na parede. Eu avisei que aquilo ia cair tudo. E assim foi: quando começaram as primeiras chuvas a cobertura da parede do prédio caiu por ali abaixo e deve ter feito mossa nalguns carros. Não fizeram caso do que eu disse, podiam ter feito logo a intervenção”, lamenta o líder da comissão de moradores.
A humidade não se limita ao exterior dos prédios. Entra, sem pedir licença, dentro da casa das pessoas. Elsa Pinheiro mora no segundo piso de uma torre com 13 andares e abre-nos a porta. Quer mostrar as condições em que vive. “Desde sempre que tenho a casa assim, já moro aqui há 34 anos. Tenho infiltrações, humidade, isto estraga-me os móveis todos”, lamenta a moradora, inquilina municipal. “É muito complicado viver aqui. O meu orçamento não dá para fazer obras. Já pintei várias vezes a casa mas a humidade aparece outra vez”. E estas circunstâncias já causaram prejuízos à saúde da filha de Elsa. “A minha filha teve bronquite alérgica quando era miúda. Hoje em dia dorme de carapuço porque fica muito aflita com o frio e com a humidade. Isto faz mal à saúde, toda esta humidade e o bolor. Nós vamos à Gebalis, expomos os problemas, mas nada acontece”, queixa-se esta inquilina da CML.
Os elevadores são outro quebra-cabeças para os moradores do Bairro do Condado. Sobretudo porque no bairro as torres têm 13 ou 14 andares e os prédios mais baixos, as chamadas ‘bandas’, têm oito pisos. “Isso é outra guerra. Há elevadores parados há uma quantidade de tempo, alguns por falta de peças. Os elevadores têm 40 anos, embora muitos já tenham sido remodelados, mas continuam com muitos problemas”. Sempre que os ascensores não funcionam os moradores não têm outro remédio senão usar as escadas. E, por vezes, as consequências não são as melhores. “No lote 540, há uns dias, uma senhora idosa, com cerca de 80 anos, tinha de sair para ir à fisioterapia. Só que a fisioterapia que ela fez foi cair nas escadas porque o elevador não estava a funcionar”.
E, para piorar o cenário, há canos que nunca foram mudados e já pingam água - “está tudo roto”, diz Avelino Ferreira - ferros da estrutura dos edifícios à mostra, telhados com amianto e pragas de baratas. “Anualmente, uma empresa que trabalhava para a CML vinha fazer a desratização e desbaratização dos coletores de esgotos. Este ano ainda não os vi cá a fazer isso. As tampas dos esgotos têm um encaixe e as baratas saem por esse espaço. Nos rés-do-chão entram dentro das casas e por lá ficam”, denuncia o presidente da associação de moradores do Condado.
Confrontada com a situação que se vive no Bairro do Condado, a CML garante que está a ser feito um investimento de aproximadamente oito milhões de euros “numa regeneração integral do bairro”. “Está programada a intervenção em vários lotes. O bairro tem sido objeto de várias intervenções de reabilitação incluindo a redução da densidade de construção com demolição de edifícios”. Estas demolições começaram a acontecer em 2009, quando foram abaixo oito prédios. “Era o ‘corredor da morte’. Mas eu sempre passei por lá e nunca se meteram comigo”, recorda Avelino Ferreira. Entre estes prédios havia corredores estreitos e escuros e, à época, foram noticiados vários casos de violência e ajustes de contas entre gangs, o que levou a CML a tomar esta medida. Atualmente, o DN assistiu a andaimes montados em dois prédios. Certo é que a edilidade promete que “novos investimentos estão em fase de estudo para uma aplicabilidade prevista a médio prazo (2024, 2025, 2026, designadamente as bandas de edifícios 530, 550, 551, 552, 557, 558, 559, 560), com uma previsão de investimento de 4,5 milhões de euros”.