Marco Bento, professor na Escola Superior de Educação de Coimbra e investigador no Centro de Investigação e Inovação em Educação (InED - ESE-IPP), afirma que a transformação do sistema educativo tradicional já está em curso em grande parte das escolas e das universidades, não fazendo sentido proibir o seu uso. “A IA está a ser usada, manipulada, com ou sem a permissão dos professores, e será bom que tenhamos essa consciência”, afirma.
Segundo ele, aprender, nos dias de hoje, exige uma complexa combinação de equipamentos, recursos, espaços e metodologias que têm em comum alguns aspetos, “tais como a simplicidade, a possibilidade de interação e colaboração, a eficiência, a eficácia, a flexibilidade e a mobilidade”. “É plenamente possível aproveitar todo o potencial que a IA tem para oferecer a qualquer hora e em qualquer lugar no processo de aprendizagem. Basta pensar na enorme vantagem de um aluno poder ter um tutor de aprendizagem sete dias por semana e 24 horas por dia sobre os mais variados assuntos”, vinca.
O investigador acredita que os alunos não dependem mais de processos de aprendizagem exclusivos do espaço escola, mas “dependem, e muito, da ajuda que os professores lhes possam fornecer para serem eficientes nas interações com esta IA. Mais do que servir para motivar qualquer aluno, a IA tem o propósito de aprofundar e permitir adquirir um conjunto de competências de aprendizagem que de outro modo seriam impossíveis, ou muito mais difíceis, tornando o processo cada vez mais eficiente”, avança. A IA, quando usada de forma apropriada e consciente, fornece aos professores um novo conjunto de soluções pedagógicas para enriquecerem a sua prática letiva e o processo de aprendizagem. “Quanto maior for o envolvimento do aluno na manipulação criativa, na pesquisa, na interação com o próprio conhecimento, na descoberta de novas formas de expressão de saberes, maior será a eficácia didática deste processo”, sustenta.
A IA já entrou na vida de todos, sem que muitos não se apercebam da sua presença. Este é outro dos argumentos do investigador para quem ainda está reticente sobre a necessidade de dominar o mundo tecnológico. “Ninguém considera estranho que, quando ligamos a Netflix ou outro qualquer canal de streaming, surjam ‘apenas’ os filmes baseados no perfil de visualização, preferências de atores ou atrizes, tipos de filmes, ou até baseados nas nossas crenças e pensamentos que vamos demonstrando ao longo da nossa atividade dentro de uma aplicação. Estas são apenas as pequenas coisas da nossa vida, agora imaginem o grau de profundidade em que a IA já está a condicionar as nossas escolhas”, exemplifica.
Marco Bento entende o receio do avanço da IA, mas pede para não a “diabolizarmos”. “Os arautos da desgraça educativa olham para estas ferramentas com a mesma diabolização de qualquer novidade tecnológica, porque, enquanto se pensar numa ação pedagógica baseada em transmissão e testagem de conhecimento, é evidente que esta tecnologia coloca tudo em causa.” O docente diz ter conhecimento de “várias escolas e universidades a tentar proibir o uso desta ferramenta, sob o argumento de que os alunos podem copiar testes, exames, trabalhos, como se nos ambientes analógicos nunca tivesse existido cópia ou plágio”, sendo totalmente contra essas decisões.
“Se pensarmos numa tipologia de professor que entrega uma proposta de trabalho ao aluno para que ele a realize, tendo o professor no final apenas o papel de ler e classificar, esse professor merece que o trabalho seja realizado pela IA”, defende. Já “se o professor acompanhar a realização do trabalho, este for feito em aula com o professor, num sistema de feedback e avaliação sistemática da compreensão do aluno, permitindo o uso da IA para que o aluno vá defendendo as suas ideias”, não há razão para a IA não ser usada como ferramenta.
“Enquanto investigador e professor, parece-me que se não usarmos a IA na escola e não prepararmos os alunos para estes contextos, eles vão continuar a usar, mas sem moderação, controlo ou educação, podendo colocar em risco os seus dados e a sua ética, sem aprenderem a filtrar a fidedignidade da informação”, conclui. Defende, assim, a utilização da IA “como suporte para a aprendizagem, feedback, metacognição, autorregulação, desenvolvimento do espírito crítico por parte dos alunos em quatro patamares distintos: observação, emulação, autocontrolo e autorregulação”, sendo a IA uma mais-valia para alunos e docentes.
Para os que resistem, Marco Bento lança um alerta: “Os professores não serão substituídos pela IA (nos próximos tempos), mas os que não a souberem usar ficarão próximos dessa substituição.”