Ações climáticas
07 janeiro 2024 às 09h09

PSP obriga climáticos a nudez: “Aqui não mandas nada, se te dizem para despir é para despir”

Em janeiro de 2023, MAI repreendeu agente que em 2021 ordenou a ativistas que se despissem; inquérito apontou inexistência de normas internas da PSP para revistas. Mas no final do ano, acusam detidos em ações climáticas, a PSP voltou a mandá-los despir. Questionada pelo DN, polícia não desmente.

"Tu aqui não mandas nada, se te dizem para despir é para despir – e vais outra vez lá para dentro e a revista vai ser minuciosa.”

Foi, conta Maria Mesquita, 21 anos, nestes termos e “aos berros” que um agente da PSP na esquadra do Calvário, à qual foi conduzida a 14 de dezembro, após ser detida com outros ativistas climáticos durante uma ação de protesto (o “bloqueio” do viaduto Duarte Pacheco, em Lisboa), reagiu ao facto de ela ter questionado a ordem para se despir totalmente.

A recusa de Maria, estudante da Faculdade de Letras de Lisboa associada ao coletivo Climáximo, terá ocorrido quando, após a chegada à esquadra, “começaram a chamar um a um e fui levada para a casa de banho. Disseram que era para despir tudo, perguntei porquê e deixaram-me ficar só de cuecas e soutien”.

Não seria a primeira vez que Maria se via nessa situação: em 22 de maio de 2021, quando participou numa outra ação – o bloqueio da Rotunda do Aeroporto de Lisboa, num protesto contra a aviação a que foi dado o nome “Em chamas” – foi detida e, ao dar entrada na esquadra dos Olivais, ela e as outras 18 raparigas, e só elas num total de 26 detidos, foram obrigadas a despir-se. O facto ocasionou uma queixa ao Ministério Público (cuja investigação está ainda, de acordo com a Procuradoria Geral da República, em curso) e um inquérito da Inspeção Geral da Administração Interna. Esta última determinou ter a revista em causa, que designa de “intimista”, ultrapassado “os critérios de adequação, proporcionalidade e necessidade face ao que se estava à procura no caso concreto e ao objetivo visado, o qual seria plenamente alcançado com a utilização da revista por palpação por cima da roupa”, sendo aplicada em janeiro de 2023, por decisão do ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, uma pena de repreensão à agente que ordenou às ativistas que se despissem.
 
Dois anos e quase sete meses depois, porém, Maria garante ter-lhe acontecido o mesmo duas vezes no mesmo dia (14 de dezembro de 2023). Primeiro na esquadra do Calvário, onde, após a ordem do agente, terá regressado à casa de banho, despindo desta vez tudo (sendo que, afirma, “quando já estava sem a roupa toda entrou uma agente e disse que afinal não era preciso”). Depois de novo na sede do Comando Metropolitano de Lisboa (COMETLIS), em Moscavide, para onde ela e outros 10 detidos foram, mais de 10 horas após a detenção, levados para passar a noite.
 
“Éramos seis raparigas e cinco rapazes. À chegada a Moscavide fomos separados por género, nós para um lado, eles para o outro. Das raparigas, fui a primeira a ser chamada. Mandaram-me despir completamente, tive de agachar e as outras a seguir também.” Desta vez, Maria admite já não ter discutido ou questionado. “Era de noite, estávamos muito cansadas”, explica. Só no dia seguinte, depois de serem todos libertados, se deu conta, diz ao DN, que só as raparigas tinham sido obrigadas a despir e a agachar (o agachamento serve para que, no caso de terem objectos escondidos nos orifícios corporais, estes fiquem à vista); aos rapazes só haviam revistado por cima da roupa.

A narrativa de Maria – que assegura estar, com as restantes ativistas da Climáximo a quem sucedeu o mesmo, a preparar uma queixa contra a PSP –, não é a única a imputar, nos últimos meses de 2023, revistas “intimistas” à PSP. Até a alegada repetição da distinção no tratamento em função do género (que em 2021 determinou o protesto de vários coletivos feministas) é descrita noutra detenção de ativistas climáticos, a 24 de novembro de 2023, tendo como palco  igualmente a sede do COMETLIS, em Moscavide.

É Teresa Cintra, ativista de 22 anos da Greve Climática Estudantil, a relatar ao DN o que viveu nesse dia quando, na sequência da ocupação do ministério das Infraestruturas, a PSP a deteve e a outros 18 ativistas.


“Mandou tirar as calças e depois as cuecas. Fiquei atónita”

“Quando nos detiveram, levaram-nos primeiro para a esquadra da Penha de França, onde ficámos o dia todo e à noite todas as pessoas que já tinham algum processo a correr, e que eram 10, foram obrigadas a dormir no centro de detenção de Moscavide – eles justificam com “reincidência”, o que não faz sentido porque ninguém pode ser reincidente sem ser condenado. Foi quando lá chegámos que mandaram despir as raparigas”, conta Teresa, que a pedido do jornal pormenoriza a revista a que diz ter sido sujeita.

“Foi numa salinha em que estava só uma agente, com um agente à porta. Ela disse para me despir. Tirei a blusa e ela ficou a olhar e mandou tirar as calças e depois as cuecas. E eu disse ‘é estranho, não percebo porque é que isto está a acontecer’, e ela repetiu a ordem, disse que era procedimento normal. Fiquei atónita, não entendia o que estavam a procurar, já nos tinham revistado antes umas quatro vezes por cima da roupa. E acho que é claro que nas nossas ações não usamos armas, não magoamos ninguém.”

Após ficar nua, continua esta estudante de psicologia, foi-lhe ordenado que pusesse “as mãos na parede, virada de costas”, e depois que se colocasse “de cócoras e inclinada para a frente, e também de frente para a agente.” Não houve, comenta, “qualquer tipo de tentativa por parte da agente para que aquilo fosse uma situação confortável, não era nada simpática”. Não lhe viu, diz, a identificação, e ela também não se terá identificado verbalmente.
Maria Mesquita, 21 anos, é uma das ativistas que foi mandada despir em maio de 2021 na esquadra dos Olivais, tendo apresentado queixa ao Ministério Público (o inquérito está a decorrer). Agora, diz, voltou a acontecer-lhe a 14 de dezembro por duas vezes: na esquadra do Calvário e na sede do Comando Metropolitano de Lisboa. Vai de novo apresentar queixa.

Apesar do choque, nenhuma das cinco ativistas, reconhece Teresa, foi capaz de se opor: “Acho que nenhuma protestou. Não sabíamos que aquilo estava a acontecer naquela sala, não nos deram a possibilidade de, em grupo, nos opormos. Disseram que era para identificar e preencher papéis, e de repente acontece aquilo. Já estava a ser uma sequência tão estranha - de repente vamos passar a noite ali, naquele sítio, depois de ficarmos algemados das 11 e tal da manhã à meia-noite na esquadra da Penha de França [a PSP nega que “os detidos tenham estado, como foi afiançado ao DN, mais de 10 horas algemados”, mas reconhece que foi “uma diligência processual morosa”] e de só nos deixarem fazer um telefonema ao fim de oito horas detidos – ninguém estava com forças para discutir.”
Depois de serem todas revistadas, Teresa percebeu que era a vez dos rapazes: “Até me assustei porque vi o polícia a pôr umas luvas de látex e achei que ia ser ainda pior, que iam meter-lhes as mãos e etc mas afinal eles nem a camisa tiveram de levantar.”
 
Ainda assim, houve quem, sendo identificado, através do cartão de cidadão, como de género masculino, passasse pelo mesmo – mas ainda na esquadra da Penha de França, antes da condução para Moscavide. É o que conta Ideal, de 22 anos, transgénero: “Um polícia da equipa de intervenção rápida levou-me para uma sala à parte e disse para me despir por completo, alegadamente para ver se tinha coisas dentro dos boxers.” Enquanto isso, o agente ter-lhe-á perguntado qual a sua orientação sexual. “Queria saber se era hetero ou gay ou bi”, assevera Ideal. “Perguntei em que é que isso era relevante. Fez-me mais perguntas pessoais. Foi muito estranho.”


PSP: “Desconhece-se qualquer violação do dever de correção”

Como todos os ativistas entrevistados pelo DN, Ideal informa que o polícia a tratou por tu. “Tratam por tu sempre ou quase sempre. E já tinha ouvido falar desta situação de mandarem despir, mas nunca tinha acontecido. Não se percebe o que houve desta vez de diferente para acontecer. Por exemplo estive na ação do viaduto Duarte Pacheco, a 14 de dezembro, e fui detida e não me mandaram despir. Mas houve nas duas ações, essa e a de 24 de novembro, várias pessoas que foram obrigadas a despir-se.” Respira fundo. “Conhecemos os nossos direitos como estão escritos na lei, com os princípios da proporcionalidade. Medidas como revistas nuas ou algemar atrás das costas durante horas são desproporcionais porque somos pacíficas, nunca exercemos violência contra ninguém.”

De facto, o Código de Processo Penal, no seu artigo 251º, “Revistas e buscas”, estabelece que “os órgãos de polícia criminal podem proceder à revista de pessoas (…) que, na qualidade de suspeitos, devam ser conduzidos a posto policial, sempre que houver razões para crer que ocultam armas ou outros objetos com os quais possam praticar atos de violência.”
O DN perguntou à Direção Nacional da PSP se tem conhecimento da ocorrência, nas datas e locais referidos, de revistas nas quais se ordenou a ativistas que se despissem por completo, e se, em caso afirmativo, considera que tal se justifica, o que se procurava com tais revistas e com base em que indícios. Foi ainda perguntado se a PSP reputa de adequado recusar aos detidos uma explicação sobre os motivos de uma revista “intimista”, sendo também referida a reportada discriminação de género nas revistas efetuadas na esquadra de Moscavide, questionando-se o motivo.

Na primeira resposta  enviada ao jornal, nenhuma destas questões foi esclarecida. A PSP não diz se houve revistas nas quais os ativistas tenham sido obrigados a nudez; não esclarece se considera dever-se explicar a detidos os motivos de uma revista desse tipo (ou outro); não aborda a alegada diferença de tratamento, em Moscavide, de mulheres e homens tanto em 24 de novembro como em 14 de dezembro.

 A PSP limita-se a confirmar a existência de revistas e que estas  “foram efetuadas após detenção por flagrante delito e efetuadas em diversos momentos (antes da condução em viatura policial e permanência nas subunidades policiais e antes da entrada nos quartos de detenção do COMETLIS [Comando Metropolitano de Lisboa]), tendo sido comunicadas à autoridade judiciária”, e que “foram efetuadas por polícia do mesmo sexo que o dos suspeitos, em lugar reservado e de modo a garantir a preservação da sua dignidade.”

Quanto à algemagem, a PSP refere reger-se “pela Lei e por normas internas que contemplam como regra que os indivíduos detidos são algemados com as mãos atrás das costas, exceto nos casos em que apresentem lesões, deficiência, limitações físicas, idade avançada ou mobilidade reduzida. A algemagem mantém-se durante a permanência nas instalações policiais, fora dos quartos de detenção e durante a condução dos indivíduos detidos. Não havendo exceções indicadas por nenhum dos detidos nas ocorrências referidas, procedeu-se conforme o definido internamente, preservando a segurança destes e dos polícias.” Assegura também, contrariando o que foi comunicado pelos ativistas ao jornal (referiram ter sido transportados de mãos algemadas atrás das costas e sentados no chão de uma carrinha, sem lhes ser colocado cinto de segurança), que “durante o transporte foram os detidos algemados com as mãos à frente, de forma a garantir a sua segurança e conforto”, e “não estiveram mais de 10 horas algemados (indicação dada e acompanhada pelo comandante da divisão, no momento da ocorrência), sendo esta diligência processual (detenção) morosa, por se tratar de uma situação complexa, dada a envolvência de 11 pessoas e nenhuma delas, desde o momento da abordagem inicial, estar colaborante com a intervenção policial”.
É também garantido pela PSP que “todos os detidos foram tratados com respeito, tolerância e elevada consideração, desconhecendo-se qualquer violação ao dever de correção”, e reiterado que “a Polícia de Segurança Pública rege a sua atuação em cumprimento da Constituição e da Lei, preservando e respeitando a dignidade da pessoa humana, promovendo a todo o momento transparência, empatia e confiança com todos os cidadãos”.


O “absurdo e inverosímil” voltou a acontecer?


Perante a insistência do DN, porém, a PSP admitiu que “foram adotados procedimentos de revista diferenciados, tendo no entanto à generalidade dos detidos sido efetuada uma revista de segurança. Porém, relativamente a outros detidos, o âmbito da revista foi mais pormenorizado, atentas as suspeitas da existência de elementos ou objetos que pudessem constituir meios de prova, que importava acautelar.”

Apesar de não ser referido o facto de terem obrigado ativistas a nudez, nem se explicar que elementos se suspeitava poderem aqueles esconder no corpo, ou por que motivo só as raparigas foram sujeitas a esse tipo de revista em Moscavide, desta vez a PSP não nega que as revistas “nuas” existiram. Recorde-se que em junho de 2021, de acordo com o Expresso, esta polícia tinha reputado de “absurdo” o relato, efetuado por ativistas, de que a 22 de maio desse ano, na sequência da ação “Em chamas”, lhes havia sido ordenado que se despissem, e que tal só acontecera às ativistas mulheres.  

A qualificação foi atribuída pelo semanário a “uma fonte do Comando Metropolitano de Lisboa” que garantia ter-se a polícia “limitado a fazer os procedimentos de segurança legalmente admissíveis”. Essa fonte ter-se-ia até recusado a comentar “a suposta obrigação das mulheres em despirem-se ao ser revistadas” por, escrevia o jornal, “ser algo tão ‘absurdo’ e ‘inverosímil’”.

Mas o inquérito instruído pela IGAI concluiu que o absurdo e inverosímil tinha mesmo acontecido: “As detidas foram alvo de revista, tendo sido solicitado que retirassem as roupas para verificação e que afastassem os membros superiores e inferiores por forma a ser possível visualizar áreas corporais onde pudesse ser ocultado algum objeto.” Para este organismo de fiscalização das polícias, os procedimentos adotados  – ou seja, a “revista intimista”– não se afiguraram “adequados, proporcionais nem necessários”, apesar de serem “legítimos e legais”, tendo havido “excesso de zelo” por parte da agente que ordenou às ativistas que se despissem.

Isto porque, lê-se no documento, “atendendo à postura de colaboração dos detidos no momento em que foram transportados para a esquadra e à forma pacífica como tudo decorreu (…) os procedimentos adotados pela agente para efetuar a revista não foram corretos na medida em que a interpretação que fez da ordem que recebeu [a de efetuar “uma revista pormenorizada”] ultrapassou os critérios de adequação, proporcionalidade e necessidade face ao que se estava à procura no caso concreto e ao objetivo visado, o qual seria plenamente alcançado com a utilização da revista por palpação por cima da roupa, o que de resto foi o procedimento adotado relativamente aos detidos do sexo masculino.” A agente, que se defendeu garantindo que se limitara a cumprir a “ordem legítima do superior hierárquico” que pediu a “revista pormenorizada”, foi, como referido, alvo de uma repreensão, a mais suave das penas disciplinares disponíveis.

Confrontada pelo DN com as novas denúncias deste tipo de revista e questionada sobre se recebera alguma queixa com elas relacionadas, a IGAI não respondeu. Também não esclareceu em que circunstâncias considera que as revistas descritas se podem justificar. Um esclarecimento tanto mais necessário quando no seu relatório sobre a situação ocorrida em 22 de maio de 2021 este organismo refere “a ausência de normas internas na PSP relativamente aos procedimentos a adotar na revista de pessoas detidas” e entende ser “pertinente” propor “uma recomendação à Direção Nacional da PSP (…) no sentido de organizar um manual de boas práticas no âmbito de revistas a efetuar pela PSP a pessoas detidas, que observem o cumprimento dos direitos, liberdades e garantias, criando por exemplo um escalonamento de situações para a necessidade de efetuar as revistas intrusivas simples/sumárias com recurso a palpação e as revistas intimistas (…).”


“A sensação que dá é que há uma tentativa de humilhação”

Nas perguntas enviadas à PSP, o DN quis saber se algo foi feito no sentido de, como proposto pela IGAI, elaborar um manual, ou se a corporação considera que tal não é necessário. Não  houve resposta.

Perante a falta de esclarecimento por parte da PSP e IGAI, o jornal tentou saber se situações como as descritas pelos ativistas climáticos têm sucedido com outro tipo de detidos. Confirma-se que sim:  advogados de arguidos que em novembro passaram várias noites sob custódia da PSP na sede do COMETLIS admitiram que os seus constituintes, indiciados por crimes económico-financeiros, foram, numa das vezes em que, vindos do tribunal, ali deram entrada  para pernoitar, alvo de uma revista em que se tiveram de se despir por completo e “agachar”. “Não vejo o que poderiam estar a procurar nestas circunstâncias, e nenhum motivo para esta atuação que não a deliberação de humilhar”, comenta um dos causídicos. Outro dos advogados manifesta estranheza também pelo facto de outro seu cliente, indiciado pelo mesmo tipo de crimes, ter pernoitado em 2021 no mesmo local e não ter sido sujeito a revista “nua”. “Só se despiu para vestir o pijama”, comenta.

Um agente sénior da PSP ouvido pelo DN, e que fala na condição de não ser identificado, espanta-se com o que o jornal lhe relata, demonstrando ter uma visão semelhante à do primeiro advogado citado. “Esse tipo de revistas é indicado quando se julga que pode haver droga escondida – sendo nesse caso recolha de prova – ou armas. Quando não há suspeita de uma coisa nem de outra, parece-me abuso.”

Aliás, as situações narradas pelos ativistas climáticos, que qualifica de “pacíficos”, causam indignação neste homem com décadas ao serviço da PSP: “A sensação que dá é que, a ser verdade, há uma tentativa de humilhação dos miúdos.” O mesmo se aplica, prossegue, em relação à algemagem: “Tudo isto tem uma regra de bom senso. Não aceitaria no meu serviço algemar alguém nessas circunstâncias com mãos atrás das costas durante 10 horas. Nem uma hora. Nem algemados seriam comigo –não são perigosos criminosos.” Crítico de uma visão autoritária da missão policial, o agente completa o seu diagnóstico: “Os polícias acham que têm de ser justiceiros, que humilhando os miúdos já os estão a punir. É uma mentalidade que vem de cima, espero que este novo diretor mude isso”.

Leonor Chicó, 18 anos, ativista da Greve Climática Estudantil, ficará surpreendida por saber que um polícia concorda com ela. “Isto são tudo estratégias de intimidação”, resume ao DN a propósito de revistas “intimistas” como aquela de que afirma ter sido alvo em outubro, quando foi com outros ativistas ao parlamento. “Íamos assistir a um debate”, conta, “éramos seis ou sete, passámos pela máquina de metais e depois, quando já não tínhamos nada connosco –nem sacos, nem telefones – fomos levados, um a um, por dois polícias para uma sala, para sermos revistados. E a mim e a outra rapariga pediram para tirar as calças. Só a nós duas.”

Primeiro, diz, revistaram-na por cima da roupa. Depois pediram para tirar os sapatos, as meias, e a seguir “para levantar a camisola, baixar as calças até ao tornozelo e dar uma voltinha. Depois o polícia – eram só homens a revistar, perguntámos se não tinha de ser uma mulher mas garantiram que não havia – disse que não tinha encontrado nada e que eu podia ir embora.” À pergunta sobre como isso a fez sentir, hesita. “É um sentimento muito grande de impotência e frustração, olhar para aquelas pessoas e saber que podem fazer o que quiserem, que ninguém as impede. Percebermos que os limites que achamos que existem, de preservação da dignidade e liberdade individuais, não nos protegem. Que as forças de segurança estão a ultrapassá-los.”

Maria Mesquita reforça: “Mandarem despir pessoas que têm uma política estrutural de não violência é uma tática de intimidação e humilhação. Mas estes comportamentos, que vamos continuar a denunciar, são conhecidos pelo Ministério Público e Administração Interna e nada se alterou.”