Faltam 100 dias
17 abril 2024 às 07h22
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Do glamour, prazos e contas controladas às ameaças à segurança. Paris acelera para os Jogos Olímpicos

A precisamente 100 dias do evento, cidade ultima obras com tudo dentro do previsto. Questão da segurança preocupa autoridades e Macron admitiu mudar planos da Cerimónia de Abertura.

Andaimes em frente à Torre Eiffel, empilhadoras num frenesim na Praça da Concórdia e vestígios de obras um pouco por toda a cidade de Paris e arredores. A 100 dias do início dos Jogos Olímpicos (arrancam a 26 de julho e terminam a 11 de agosto), os planos de há sete anos, desde que a capital francesa foi escolhida, começam a entrar na fase final. Mas agora com uma preocupação mais acentuada com a segurança e receio de ataques terroristas. Uma ameaça que já levou o presidente Macron a admitir alterar o programa da Cerimónia de Abertura que, pela primeira vez, será ao ar livre, no Rio Sena.

A organização insiste que tudo, das infraestruturas ao cumprimento do orçamento (cerca de um terço de Tóquio2020), está “sob controlo e a entrar na reta final”. “Muitas vezes as obras são o maior problema colocado para quem organiza um evento destes. Mas o calendário foi respeitado”, garantiu Tony Estanguet, do Comité Organizador. Também nas contas não se verificam grandes derrapagens, com um custo entre três e cinco mil milhões de euros para o erário público francês, estimou o presidente do Tribunal de Contas gaulês, Pierre Moscovici.

Muitas das preocupações estão, por isso, centradas na segurança. Sobretudo na Cerimónia de Abertura. E, aqui, o desafio é imenso. Entre outras medidas, estão destacados 45 mil elementos das várias forças de segurança, será ativada uma zona de exclusão aérea e grande parte do centro da cidade estará reservado a residentes e trabalhadores. “Queremos organizar os maiores Jogos da história. Nunca recuámos diante disso [ameaças à segurança]. Sempre demonstrámos audácia”, disse há uns dias Tony Estanguet.

Na segunda-feira, porém, o presidente Emanuel Macron admitiu que existem planos alternativos para a Cerimónia de Abertura, apesar de se mostrar convencido de que a mesma poderá realizar-se no Sena. “A cerimónia que planeámos é uma estreia mundial. Temos de a realizar e vamos realizá-la. (...) Mas temos plano B e plano C e preparámo-los em paralelo”, assegurou.

Está previsto que no dia 26 de julho, cerca de 10.50, atletas desfilem pelo coração da capital francesa em barcos no Ro Sena, ao longo de um percurso de seis quilómetros. Para limitar os riscos de segurança, Macron admitiu que os organizadores possam encurtar o itinerário do desfile ou até transferi-lo para o Estádio de França, tornando-a um evento mais convencional.

A organização planeava originalmente uma grandiosa cerimónia de abertura para até 600 mil pessoas - a maioria assistiria gratuitamente nas margens do Rio Sena. Contudo, as preocupações de segurança e logística levaram o Governo francês a reduzir progressivamente as suas ambições. No início deste ano, o número foi reduzido para cerca de 300 mil.

Alguns especialistas têm-se mostrado preocupados com a questão da segurança, tal como as autoridades francesas, dado o recente ressurgimento do grupo Estado Islâmico e as tensões internacionais causadas pelo ataque de Israel a Gaza e, mais recentemente, do Irão a Israel.

As autoridades francesas também acreditam que a Rússia é uma ameaça através da desinformação ou de um ataque cibernético. Questionado no início deste mês se o Kremlin teria como alvo os Jogos Olímpicos, o presidente Macron disse que “não tinha dúvidas”. “Acusações absolutamente infundadas”, respondeu Moscovo.

Ajuda portuguesa

A França pediu ajuda a cerca de 50 países (Portugal incluído). E as autoridades vão recorrer a mecanismos de Inteligência Artificial e utilizar câmaras geridas por algoritmos, embora garantam que nenhum dos programas permitirá o reconhecimento facial, prática já testada em França e que gerou polémica. No caso das câmaras geridas por algoritmos, o Parlamento francês aprovou em abril de 2023 uma lei que regulamenta a utilização durante os Jogos Olímpicos.

Em março, depois de a França ter elevado para o máximo o nível de alerta terrorista após o atentado em Moscovo, Gérald Darmanin, ministro do Interior, tentou passar uma mensagem de tranquilidade, garantindo que o país tem “um Sistema de Inteligência extremamente eficaz”.

Portugal vai enviar “uma centena de forças da ordem”, disse à Lusa Hélène Farnaud-Defromont, a embaixadora de França em Portugal. “Temos previsto um dispositivo de segurança muito robusto. No geral, no conjunto dos Jogos, cada dia serão mobilizadas em França 30 000 forças da ordem - polícias e gendarmes -, mais 17 000 de pessoal de segurança privada, contratados durante os Jogos. E apelámos a reforços internacionais. Quero agradecer a Portugal e às autoridades policiais portuguesas que nos vão enviar reforços”, declarou a embaixadora. No total serão 54 militares da Guarda Nacional Republicana (GNR) e 53 agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP).

A embaixadora francesa assumiu ainda que a Cerimónia de Abertura é “um enorme desafio em termos organizacionais e de segurança”, mas que “vai permitir que muitos mais espetadores assistam à abertura dos Jogos Olímpicos”.

Hélène Farnaud-Defromont elogiou também o “enorme reforço previsto para os transportes públicos”, afastando preocupações quanto à escassez e frequência. A embaixadora abordou o elevado preço dos bilhetes dos transportes públicos, que em alguns casos vai duplicar durante o verão, notando que “é uma decisão das autoridades competentes”, nomeadamente as locais.

“Esperamos 16 milhões de participantes no conjunto dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos e quatro mil milhões de telespetadores. Sabemos que os JO são muito seguidos no mundo todo. Teremos 15 000 atletas, 26 000 jornalistas e media acreditados para cobrir os Jogos. Creio que haverá 878 provas. Estes são verdadeiramente uns Jogos para todos, uns Jogos muito abertos”, avançou.
A diplomata elencou outras recomendações feitas pelo Governo francês aos parisienses, nomeadamente “irem de férias durante os Jogos ou trabalharem em horários desfasados, por forma a evitarem os momentos em que haverá muito movimento”, designadamente na Cerimónia de Abertura.

“Paris está determinada a realizar os Jogos Olímpicos de 2024 de maneira nunca antes tentada. Queremos tirar os Jogos dos estádios e trazer o desporto para o coração de Paris, mais perto dos fãs”, prometeu Estanguet numa apresentação feita em 2022, apostado em realizar um gigantesco e espetacular Estádio Olímpico a céu aberto durante 16 dias, um evento com muito glamour  e várias provas a decorrerem em espaços históricos da cidade, casos da competição equestre no Palácio de Versalhes ou da pista de ciclismo nos Campos Elísios.

Ao contrário de eventos anteriores, apenas duas novas grandes instalações desportivas permanentes foram construídas para Paris2024 - uma arena com 8000 lugares que acolherá badmington  e ginástica rítmica e um centro aquático. De resto, 95% dos eventos serão em instalações que já existiam ou cujas obras não são de grande imponência.

Será neste cenário de grande espetacularidade, aliado aos receios com a segurança, que Paris se prepara para daqui a precisamente 100 dias oferecer ao mundo um evento único, nuns Jogos que também vão ficar para a História como os primeiros a alcançar a paridade numérica de género nas competições, com o mesmo número de atletas femininos e masculinos. Portugal, para já, tem 40 atletas com quotas de apuramento, mas espera-se que este número aumente consideravelmente nos próximos tempos.

nuno.fernandes@dn.pt