A possibilidade de um copo ou dois de vinho tinto poderem ser benéficos para o coração foi “uma ideia agradável” que os investigadores “adotaram”, afirmou Stockwell. Esta noção ia ao encontro de um conjunto de provas, reunidas nos anos 90, que associavam o álcool à saúde.
Por exemplo, num estudo de 1997 que acompanhou 490 mil adultos nos Estados Unidos durante nove anos, os investigadores descobriram que aqueles que afirmaram consumir, pelo menos, uma bebida alcoólica por dia apresentavam uma probabilidade 30% a 40% menor de morte por doença cardiovascular do que aqueles que não consumiam álcool. Este grupo consumidor também apresentava uma probabilidade cerca de 20% inferior de morte por qualquer outra causa.
Até ao ano 2000, centenas de estudos chegaram a conclusões semelhantes, afirmou Stockwell. “Julguei que esta teoria estava consolidada”, afirmou.
Contudo, desde os anos 80 que alguns investigadores têm vindo a apontar problemas a este tipo de estudos e a questionar se o álcool seria ou não responsável pelos benefícios observados.
Talvez as pessoas que consumiam bebidas alcoólicas de forma moderada fossem mais saudáveis do que as que não consumiam álcool de todo porque tinham mais probabilidades de serem pessoas instruídas, abastadas e fisicamente ativas, e mais probabilidades de terem um seguro de saúde e de comerem mais legumes, afirmaram. Ou talvez porque a maioria das pessoas abrangidas pelos estudos que não consumiam álcool eram, na realidade, pessoas que tinham deixado de beber por terem desenvolvido problemas de saúde, acrescentaram.
Kaye Middleton Fillmore, investigadora na Universidade da Califórnia, em São Francisco, foi uma das pessoas que apelou a um maior escrutínio da investigação.
“É da responsabilidade da comunidade científica avaliar cuidadosamente estas provas”, escreveu num editorial publicado em 2000.
Em 2001, Fillmore persuadiu Stockwell e outros cientistas para a ajudarem a reanalisar os estudos precedentes sobre o tema de forma a averiguar algumas destas tendenciosidades.
“Colaborarei consigo neste projeto”, recorda-se Stockwell de ter dito a Fillmore, que faleceu em 2013. Mas “eu estava bastante cético em relação a toda a ideia”, afirmou este.
Na sua nova análise, os benefícios resultantes do consumo moderado de álcool, observados anteriormente, tinham desaparecido. As suas descobertas, publicadas em 2006, fizeram manchetes por contradizerem a teoria dominante: “Study Puts a Cork in Belief That a Little Wine Helps the Heart” (Estudo põe um fim à crença de que um pouco de vinho beneficia o coração), publicou o Los Angeles Times.
“Foi uma notícia que perturbou muitas pessoas”, afirmou Stockwell. “A indústria do álcool tomou grandes medidas e gastou imenso dinheiro para contrapor a mensagem inoportuna que estava a ser divulgada”. No espaço de meses, um grupo financiado pela indústria organizou um simpósio para debater a investigação e convidou Fillmore.
Nos apontamentos que Stockwell guardou, Fillmore referiu que o debate foi “intenso e pesado, de tal forma que senti que tinha de descalçar o sapato e bater com ele na mesa”.
Quando dois dos organizadores da conferência publicaram um resumo do simpósio que afirmava que “o consenso a que se chegou na conferência” era que o consumo moderado de álcool estava associado a uma melhoria da saúde, Stockwell afirmou que Fillmore “ficou furiosa” pelo facto de as suas convicções não terem sido representadas.
Desde então, muitos outros estudos, incluindo o publicado por Stockwell e seus colegas em 2023, vieram confirmar que o álcool não é a bebida saudável que em tempos se acreditou ser.
Em 2022, os investigadores comunicaram notícias ainda mais preocupantes: o consumo de álcool não só não tinha benefícios cardiovasculares, como podia inclusive aumentar o risco de problemas cardíacos, afirmou a Dra. Leslie Cho, cardiologista da Cleveland Clinic.
Atualmente, há cada vez mais estudos que demonstram que mesmo uma única bebida alcoólica por dia pode aumentar as probabilidades de desenvolver doenças como a hipertensão arterial e a arritmia que, por sua vez, podem levar a um acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca congestiva ou outras consequências para a saúde, afirmou.
Além disso, a relação entre o álcool e o cancro é evidente – algo que a Organização Mundial da Saúde tem vindo a afirmar desde 1988.
Esta é uma mensagem bastante distinta da que os doentes poderão ter ouvido por parte dos seus médicos durante alguns anos, reconheceu Cho. No entanto, o entendimento deste tema mudou.
A OMS e outras agências de saúde afirmam que nenhuma quantidade de álcool é saudável, quer se trate de vinho, cerveja ou destilados.