Ao mesmo tempo, o programa levou à criação de um fundo anual de 250 mil euros integrado no orçamento camarário, para salvaguarda das “características genuínas” do pequeno comércio local. O fundo serve para obras de arquitetura e restauro, ações de promoção e marketing, fomento da digitalização ou apoio jurídico às lojas classificadas.
Nove anos volvidos, existem 192 lojas assim classificadas e mais sete que devem entrar em fevereiro. Daquelas, 32 fecharam portas ao longo dos anos, de acordo com informações da Câmara de Lisboa: 29 por mútuo acordo entre os proprietários dos imóveis e os comerciantes, duas por decisão dos comerciantes e uma por decisão judicial.
Como se depreende das palavras de Sérgio Solposto, e de conversas informais que o DN manteve nos últimos dias com comerciantes da cidade, o balanço do Lojas com História não é extraordinário, mas também ninguém traça cenários negros. Sentem que, pelo menos, tem funcionado na distinção simbólica da singularidade e da identidade - o que consideram muito importante numa era de uniformização global do comércio.
Aliás, a recente vaga de encerramentos, que repete um padrão cíclico, levou a que se acusasse a Câmara de Lisboa de pouco fazer para proteger o comércio tradicional. Fecharam nas últimas semanas a Livraria Ferin e a Barbearia Campos (Chiado), o famoso restaurante Bota Alta (Bairro Alto) e a loja de loiças e depois pastelaria Casa Chineza (Baixa). Alguns destes espaços estavam classificados como Lojas com História. Números publicados esta semana no jornal Público por Paulo Ferrero, presidente do Fórum Cidadania Lx, indicam que no ano passado encerraram 16 “lojas emblemáticas” na capital.
A Assembleia Municipal aprovou, a 9 de janeiro, uma recomendação do PCP para “avaliação e revisão urgente” do regulamento da iniciativa, o que teve a abstenção da Iniciativa Liberal e voto contra do Chega.
O vereador Diogo Moura, com o pelouro da Economia, diz ao DN que essa revisão “já está em curso desde o ano passado” e vai “tentar” que termine “o mais depressa possível”. “Várias entidades e lojistas já foram ouvidos”, sublinha. Além disso, desdramatiza o peso dos encerramentos. Distingue “o que é a economia privada”, no âmbito da qual “um senhorio pode decidir o que fazer com o seu imóvel”, e o que é o programa camarário Lojas com História. “Ao abrigo deste programa salvaguarda-se precisamente os contratos de arrendamento destas lojas, que, neste momento, não podem ser encerradas, nem ter aumentos de renda até 31 de dezembro de 2027”. Ou seja, o programa acrescenta garantias às que decorrem da já referida lei de 2017.
Segundo o autarca, “tem acontecido, na maior parte dos casos, que os senhorios e os inquilinos chegam a acordo para o encerramento” porque “há comerciantes que não querem manter o negócio ou há negócios sem viabilidade económica”.
Diogo Moura faz notar que a câmara “está interessada em manter a identidade e a memória” do comércio, sobretudo no centro histórico, “sejam os negócios em si ou os espaços em que eles se encontram”. Diz, a propósito, que o fundo municipal das Lojas com História já atribuiu 725 mil euros desde 2017, “o que permitiu a muitos negócios continuarem a sua atividade”.
O museólogo Luís Freitas, que fez a tese de mestrado em torno do Lojas com História, explica ao DN que falta melhorar a iniciativa, virando-a já não apenas para os comerciantes, mas para os consumidores. “A câmara deve manter o programa, porque está a tentar proteger espaços identitários de Lisboa e a fomentar um tipo de comércio perante a concorrência feroz dos centros comerciais, das grandes superfícies e das grandes marcas, que são iguais em todo o lado. Mas falta mudar de paradigma”, defende. “O problema de muitas destas lojas é não terem clientes suficientes, o que obviamente se reflete nas receitas. Falta explicar aos consumidores portugueses e estrangeiros por que é que é importante comprar no comércio tradicional. Poderia haver uma maior ligação entre as Lojas Históricas, através da câmara, e a Bolsa de Turismo de Lisboa ou as instituições culturais da cidade”, sugere.
Esta análise vale sobretudo para mercearias, livrarias, lojas de roupa, artes e ofícios. Há outra perspetiva: a da restauração e do alojamento, que são representados pela AHRESP - Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal. Ana Jacinto, secretária-geral da associação, entende que o programa Lojas com História “é muito importante, sobretudo para a proteção dos comerciantes no arrendamento”, mas “ainda é muito burocrático e era bom que fosse mais ágil e simples”.
“Estamos a falar de um tecido empresarial micro”, diz, afastando que o Lojas com História seja fonte de problemas ou tenha responsabilidades nos encerramentos. “Viemos da pandemia e agora temos a inflação. De uma forma geral, os estabelecimentos micro não conseguiram robustecer-se financeiramente. Uma coisa é termos procura, que temos. Há números fantásticos devido ao crescimento do turismo interno e internacional. Mas não devemos esquecer que a procura não se traduz sempre em rentabilidade, porque os empresários têm custos de operação enormíssimos: custos fiscais, salariais, de energia, das taxas de juro. Sobretudo a restauração não pode repercutir esses custos no preço final ao consumidor, sob pena de afetar a procura”, conclui Ana Jacinto.