Em comunicado o DCIAP frisa que as investigações “incidem, sobretudo, sobre a área da contratação pública, essencialmente sobre o elevado número de contratos de empreitada celebrados pelo Governo Regional da Madeira e várias entidades públicas da Região Autónoma com empresas da região”.
Tratam-se, sublinha o MP, de “ várias dezenas de adjudicações em concursos públicos envolvendo, pelo menos, várias centenas de milhões de euros”.
Há suspeitas de que responsáveis do Governo Regional da Madeira e da Câmara Municipal do Funchal “tenham favorecido indevidamente algumas sociedades/grupos em detrimento de outras ou, em alguns casos, de que tenham exercido influência com esse objetivo”.
Como? As empresas alegadamente favorecidas teriam conhecimento prévio dos projetos e dos critérios para as adjudicações. Com esse acesso “privilegiado” às propostas dos concorrentes, conseguiam apresentar sempre propostas mais vantajosas.
Aliás, o “preço mais baixo” foi o argumento assinalado por um dos alvos detido, Avelino Farinha, presidente do conselho de administração do Grupo AFA - uma empresa multifuncional com negócios em vários setores da ilha, “uma espécie de Estado dentro do Estado, que é o Governo Regional, interdependentes”, na descrição de uma das fontes judiciais envolvidas - numa Comissão de Inquérito que decorreu na Assembleia Legislativa, em março passado, sobre o alegado favorecimento de grupos económicos e a “obras inventadas” pelos Governos da Madeira.
Esta comissão foi criada na sequência da notícia do DN em que o deputado da Assembleia da República eleito pela Madeira, Sérgio Marques, denunciou favorecimentos do presidente do Governo Regional, Miguel Albu- querque, a grupos empresariais.
Avelino Farinha garantiu que “todas as obras foram ganhas pelo preço mais baixo. Não tenho memória de termos ganho uma obra sem ser pelo preço mais baixo”, insistiu.
O empresário assegurou no Parlamento Madeirense que todas as obras realizadas naquela região autónoma foram “ganhas por concurso internacional”, e que não faltava “transparência” em todo os diferentes projetos executados pelo grupo, a cujo conselho de administração preside.
O relatório final da Comissão de Inquérito, em maio de 2023, acabou por ilibar o Governo Regional de qualquer favorecimento a grupos económicos, mas o deputado do PS, Rui Caetano, disse que o seu partido entendia que as questões analisadas configuravam a prática de crimes económico-financeiros e anunciou que iria ser apresentada queixa no MP - o que terá dado origem a um dos três inquéritos da operação de ontem.
A ligação de Avelino Farinha a Pedro Calado é pública, sendo que o autarca faz mesmo parte dos quadros da AFA, conforme admitido pelo próprio empresário na mencionada Comissão de Inquérito, sublinhando que era “um grande prazer tê-lo” nos seus “quadros”.
Mas o rol de suspeitas em investigação é muito mais amplo, conforme revelou o DCIAP no seu comunicado, designadamente, alegados “benefícios obtidos por titulares de cargos políticos, por causa dessas funções, que ultrapassam o socialmente aceitável”.
Investiga-se também “um conjunto de projetos recentemente aprovado na Região Autónoma da Madeira, ligados às áreas do imobiliário e do turismo, que envolvem contratação pública regional e/ou autorizações e pareceres a serem emitidos por entidades regionais e municipais, relativamente aos quais se suspeita de favorecimento dos adjudicatários e concessionários selecionados, violação de instrumentos legais de ordenamento do território e de regras dos contratos públicos, nalguns casos com o único propósito de mascarar contratações diretas de empresas adjudicatárias”.
Outro vetor dos inquéritos, incide em suspeitas de pagamento pelo Governo Regional da Madeira a uma empresa de construção e engenharia da região de elevados montantes a coberto de uma transação judicial num processo em que foi criada a aparência de um litígio entre as partes, bem como suspeitas sobre adjudicações pelo Executivo Regional da Madeira de contratos públicos de empreitadas de construção civil relativamente aos quais o Tribunal de Contas suscitou dúvidas e pediu esclarecimentos.
À hora do fecho desta edição, os três detidos ainda se encontravam na PJ do Funchal, mas estava a ser preparado o seu transporte para Lisboa, onde vão ser ouvidos pelo juiz de instrução no Tribunal Central de Instrução Criminal.