Realojamento
08 fevereiro 2024 às 07h45
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Famílias dizem adeus ao Bairro da Jamaica. "É uma vida nova, é um ano novo"

Apenas o lote 6 continua em pé devido a uma providência cautelar que proíbe a Câmara do Seixal de avançar com a demolição. Desde que começou o processo abrangeu 241 agregados familiares, num total de 800 pessoas.

O dia de ontem começou cinzento e com o sol a querer espreitar no Bairro da Jamaica, onde se demoliu um dos últimos prédios ainda em pé nesta zona do Seixal, o lote 8. Indiferentes ao clima, as carrinhas de mudanças ainda estiveram durante a manhã no terreno para transportar as pessoas realojadas para as suas novas casas. André e Celeste Pisinga faziam parte do grupo de 23 famílias realojadas neste derradeiro dia de vida do bairro e o casal elogia o trabalho e apoio que a autarquia do Seixal ofereceu em todo o processo. No Vale de Chícharos - o nome verdadeiro da zona que ficou conhecida como Jamaica - sobra apenas o lote 6 sobre o qual há uma providência cautelar que proíbe a Câmara Municipal do Seixal de avançar com a demolição.

André Pisinga passou 27 dos seus 61 anos no bairro da Jamaica depois de emigrar de Angola para Portugal. Afirma que quando chegou a esta zona do Seixal, tal como tantas outras pessoas, começou a ocupar uma das casas destes prédios que foram deixados ao abandono pelo construtor nos anos 80. Morou em Vale de Chícharos até terça-feira passada, dia em que passou a primeira noite na casa oferecida pela Câmara Municipal do Seixal.

O bairro Vale de Chícharos, ou Bairro da Jamaica como é conhecido, surgiu nos anos 80, no Seixal, depois da falência da empresa construtora. Devido a isso, várias edificações ficaram por terminar e em várias fases de construção. No início da década de 90, estas edificações foram sendo ocupadas por famílias e o bairro foi evoluindo num processo de adaptações sucessivas em autoconstrução, até todos os prédios serem ocupados.

No recenseamento realizado em 1993, no âmbito do Programa Especial de Realojamento (PER), foram identificados 47 agregados familiares, que foram realojados em 2002. Durante vários anos a seguir a este realojamento a autarquia tentou encontrar soluções para esta zona mas apenas em 2017 foi possível encontrar uma forma.

Em dezembro desse ano, a câmara e o Governo assinaram um acordo de colaboração para realojar as famílias que ocupavam os prédios ali erguidos. Em 2018, a autarquia realojou os primeiros 64 agregados, alojando desde aí e, no total, 241 famílias, contabilizando 800 pessoas. Durante um mês funcionários da câmara fizeram um recenseamento de todas as pessoas que moravam no bairro da Jamaica para que o processo de realojamento pudesse começar.

Neste processo a autarquia do Seixal escolheu inserir as famílias na malha urbana do concelho em vez de criar construir um novo bairro social de raiz. Comprou casas de várias tipologias para que as várias famílias fossem viver para uma casa adaptada às suas necessidades. “Não estamos a criar um bairro social de raiz porque consideramos que há um estigma associado. E quem mora num bairro social não tem a mesma igualdade de oportunidades que a restante população. Aqui no Seixal queremos que todos tenham as mesmas oportunidades, queremos criá-las para todos e por isso estamos a fazer este realojamento disperso pelo concelho”, afirmou ontem Paulo Silva, presidente da Câmara do Seixal, que visitou estes prédios pela última vez antes de serem demolidos. A prioridade agora é continuar a acompanhar as pessoas realojadas e garantir que a integração destas pessoas no concelho acontece de facto.

A secretária de Estado para a Habitação, Fernanda Rodrigues, elogia também o processo levado a cabo pela autarquia do Seixal. “As pessoas merecem serem integradas na malha urbana, serem integradas socialmente como qualquer um de nós. Esta política de habitação seguida pelo município do Seixal é muito positiva, é isto que hoje se deve seguir, a integração das famílias, a integração social em toda a sua plenitude. E é para isto que trabalhamos”, diz a secretária de Estado.

Bairro da Jamaica, no Seixal
Paulo Spranger/Global Imagens

O que se espera para o futuro?

Quanto ao que será feito no espaço que ficou vazio, o presidente da câmara lembrou que há uma parte que continua a ser privada e por isso estão em conversações com o proprietário para encontrar uma solução. “No espaço que é público já estamos a intervir, criamos um parque urbano ali com um polidesportivo, um parque infantil, uma zona de estadia, estamos a criar mais lugares de estacionamento, vamos proceder ao asfaltamento aqui desta rua [uma zona ainda é só terra] para também fazer a ligação deste espaço à restante malha urbana do concelho”, explica o autarca. Brevemente também se irá iniciar a construção de uma creche.

Voltando ao casal Pisinga, Celeste diz que ela e o marido, além de estarem felizes com a nova casa, estão felizes com a localização. “O sítio é mesmo agradável. Tenho um problema de saúde e agora tenho um centro de saúde muito perto de casa, tal como uma farmácia”, frisa Celeste. No processo de realojamento a câmara tentou que em todos os casos as necessidades das pessoas fossem atendidas: colocar pessoas com mobilidade reduzida no andar rés-do-chão, famílias com crianças perto das suas escolas, pessoas com problemas de saúde perto do centro de saúde. Em alguns casos, mas poucos, não foi possível atender a todas as necessidades mas a autarquia tentou que fosse sempre esse o caso.

André Pisinga, a sua esposa e a sobrinha vivem agora numa casa com dois quartos e nenhum consegue disfarçar o entusiasmo pela nova vida que os espera. “É como quando compramos algo novo. É uma casa nova, uma vida nova, é outra etapa, é um ano novo. A satisfação é diferente. Estamos muito satisfeitos com o empenho da câmara e com o que nos permitiram ter. Em nenhum momento recuaram com a palavra deles”, conclui André.

sara.a.santos@dn.pt