O meu Datsun branco 1200 fez para cima de 30 mil quilómetros nos oito meses de conspiração que levaram à Revolução de Abril. Como responsável operacional, competia-me ter tudo sob controlo. A estrutura militar desconfiava, o meu telefone estava sob escuta, mas as reuniões sucediam-se até altas horas da noite, muitas delas em nossa casa.
Casei-me com a Adélia a 29 de setembro de 1973. Em plena conspiração. A minha mulher, professora do Ensino Primário, não fazia perguntas. Na nossa sala, os capitães conspiradores, embalados num ou noutro whisky e, sobretudo, em muitos cigarros, traçavam planos. Pouco dado a álcool, era capaz de consumir dois maços por dia de SG Gigante. A minha sorte era não travar o fumo.
Morávamos no Estoril, casa alugada a major amigo que estava em Moçambique, na guerra. Pagávamos uma renda de 2000 escudos, salvo erro. A conspiração tirava-me todo o tempo - para trás ficavam os jogos de bridge, hábito diário em que cheguei a ser Vice-Campeão Nacional por equipas. Foram meses vividos intensamente, com os oficiais unidos por uma enorme confiança e lealdade. Era importante que as unidades com missões saíssem na hora H. Nem uma podia falhar.
Sou um otimista, tenho uma boa dose de autoconfiança, nunca me encolhi e sempre pensei que se alguém é capaz de fazer, então também sou. Mas, estava preparado para assumir as responsabilidades, caso corresse mal.
Nas vésperas da revolução fui preso. A 15 de março transferiram-me compulsivamente para Ponta Delgada, nos Açores. Os únicos momentos bons ali passados foram os poucos dias da visita da minha mulher, na Páscoa. Uma pequena amostra da lua de mel que não chegámos a ter.
Não era a primeira vez que estávamos separados. Entre 1969 e 1971 cumpri uma Comissão de Serviço na Guiné. Consegui montar um estúdio de fotografia e das fotografias que tirava fazia postais que escrevia à minha futura mulher. Postais de amor.