Aquilo que nós sabemos é que a abstenção diminuiu, que o Chega subiu bastante, e que temos círculos eleitorais onde o Chega cresceu e onde a abstenção não diminuiu tanto”, apontou ao DN a professora de Ciência Política no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), da Universidade de Lisboa Paula do Espírito Santo.
De acordo com os dados disponibilizados pela Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI), a abstenção desceu em todo o território nacional e o quadro político em Portugal reconfigurou-se, com duas forças políticas quase empatadas em número de mandatos obtidos - PS e Aliança Democrática (AD), que elegeram, respetivamente 77 e 79 deputados, mas ainda falta apurar os votos do Círculo da Emigração, que trará mais quatro deputados para a equação. No entanto, a ascensão do Chega em todos os círculos eleitorais levou o partido de André Ventura, com cinco anos de existência, a passar de um grupo parlamentar com 12 deputados para um com 48.
Houve avisos por parte do Presidente da República, antes das eleições, de que travaria uma solução governativa que incluísse o Chega, mas a posição de Marcelo Rebelo de Sousa parece não ter tido impacto na escolha dos 1 108 797 eleitores que depositaram o seu voto no partido de extrema-direita.
Passando a pente fino os números da SGMAI, o Círculo Eleitoral de Faro, o único onde, em números absolutos, o Chega ficou à frente do PS e da AD, foi também o círculo eleitoral onde a abstenção deu o maior tombo, ficando 10,48 pontos percentuais abaixo do registado em 2022. Se há a tentação para assumir que há uma relação entre a maior participação dos eleitores na legislativas e a subida do Chega, há dados que sugerem que o fenómeno é mais complexo.
No Círculo de Viana do Castelo, onde a abstenção só desceu 2,39 pontos percentuais face a 2022, configurando a menor variação neste dado, o Chega, no domingo passado, foi a escolha de 26 635 eleitores. Em 2022, tinha tido 7702 votos neste distrito.
Para juntar água à fervura, o círculo de Viana do Castelo perdeu um deputado, por via de um decréscimo na população. Assim, quando em 2022 elegeu seis deputados, este ano elegeu cinco, sendo que um deles foi para o Chega e os outros quatro mandatos foram repartidos em partes iguais entre PS e AD.
Este dados, porém, “não nos dão uma ligação direta, no plano hipotético, entre o ir buscar votos à abstenção e o crescimento do Chega, porque num caso até se pode verificar isso, mas num outro não se verifica”, diz Paula do Espírito Santo, comparando os resultados de Faro e Viana do Castelo.
“Uma das hipóteses é que o Chega capitaliza a partir de todos os partidos, porque se fizermos essa ligação nos vários círculos eleitorais, vemos que há uma diminuição do PS”, sugere a cientista política, acrescentando que o partido de André Ventura “vai buscar à abstenção, mas não é necessariamente a abstenção que é a única fonte, porque há aí uma transferência de votos entre círculos onde a abstenção nem sequer diminui e onde se verifica que o Chega também aumenta”.
Deste modo, continua a investigadora do ISCSP, “o crescimento do Chega dos 12 para os 48 deputados faz-se pela volatilidade eleitoral, mas faz-se da esquerda à direita e passa para a segunda força política em vários círculos eleitorais, não pela abstenção, porque a abstenção explica uma parte, não explica tudo”.