Legislativas 2024
14 março 2024 às 00h21
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Abstenção caiu mas isto não explica tudo. Chega foi buscar a todo o lado

Ao DN, os politólogos Paula do Espírito Santos e Marco Lisi fazem o retrato da corrida às urnas de domingo e apontam as consequências para a democracia: “Sentimento de protesto” beneficiou o Chega mais do que outros partidos.

Aquilo que nós sabemos é que a abstenção diminuiu, que o Chega subiu bastante, e que temos círculos eleitorais onde o Chega cresceu e onde a abstenção não diminuiu tanto”, apontou ao DN a professora de Ciência Política no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), da Universidade de Lisboa Paula do Espírito Santo.

De acordo com os dados disponibilizados pela Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI), a abstenção desceu em todo o território nacional e o quadro político em Portugal reconfigurou-se, com duas forças políticas quase empatadas em número de mandatos obtidos - PS e Aliança Democrática (AD), que elegeram, respetivamente 77 e 79 deputados, mas ainda falta apurar os votos do Círculo da Emigração, que trará mais quatro deputados para a equação. No entanto, a ascensão do Chega em todos os círculos eleitorais levou o partido de André Ventura, com cinco anos de existência, a passar de um grupo parlamentar com 12 deputados para um com 48.

Houve avisos por parte do Presidente da República, antes das eleições, de que travaria uma solução governativa que incluísse o Chega, mas a posição de Marcelo Rebelo de Sousa parece não ter tido impacto na escolha dos 1 108 797 eleitores que depositaram o seu voto no partido de extrema-direita.

Passando a pente fino os números da SGMAI, o Círculo Eleitoral de Faro, o único onde, em números absolutos, o Chega ficou à frente do PS e da AD, foi também o círculo eleitoral onde a abstenção deu o maior tombo, ficando 10,48 pontos percentuais abaixo do registado em 2022. Se há a tentação para assumir que há uma relação entre a maior participação dos eleitores na legislativas e a subida do Chega, há dados que sugerem que o fenómeno é mais complexo.

No Círculo de Viana do Castelo, onde a abstenção só desceu 2,39 pontos percentuais face a 2022, configurando a menor variação neste dado, o Chega, no domingo passado, foi a escolha de 26 635 eleitores. Em 2022, tinha tido 7702 votos neste distrito.

Para juntar água à fervura, o círculo de Viana do Castelo perdeu um deputado, por via de um decréscimo na população. Assim, quando em 2022 elegeu seis deputados, este ano elegeu cinco, sendo que um deles foi para o Chega e os outros quatro mandatos foram repartidos em partes iguais entre PS e AD.

Este dados, porém, “não nos dão uma ligação direta, no plano hipotético, entre o ir buscar votos à abstenção e o crescimento do Chega, porque num caso até se pode verificar isso, mas num outro não se verifica”, diz Paula do Espírito Santo, comparando os resultados de Faro e Viana do Castelo.

“Uma das hipóteses é que o Chega capitaliza a partir de todos os partidos, porque se fizermos essa ligação nos vários círculos eleitorais, vemos que há uma diminuição do PS”, sugere a cientista política, acrescentando que o partido de André Ventura “vai buscar à abstenção, mas não é necessariamente a abstenção que é a única fonte, porque há aí uma transferência de votos entre círculos onde a abstenção nem sequer diminui e onde se verifica que o Chega também aumenta”.

Deste modo, continua a investigadora do ISCSP, “o crescimento do Chega dos 12 para os 48 deputados faz-se pela volatilidade eleitoral, mas faz-se da esquerda à direita e passa para a segunda força política em vários círculos eleitorais, não pela abstenção, porque a abstenção explica uma parte, não explica tudo”.

Não votar, em protesto

Com os números a apontarem para um aumento da participação dos eleitores, é importante traçar um perfil de quem tem utilizado o silêncio como arma de protesto e quem percebeu que o impacto do sufrágio é também apelar aos direitos. Ao DN, o professor e investigador em Ciência Política na Universidade Nova de Lisboa Marco Lisi sublinhou, acima de tudo que “é uma boa indicação que as pessoas participem mais.

Isto é uma indicação de que o sistema político, de uma certa forma, responde às preocupações, às reivindicações do eleitorado. Portanto, os eleitores sentem que há, digamos, mais incentivos e tem mais eficácia e, portanto, participam mais”, continua.

Sobre o perfil dos abstencionistas, Marco Lisi explica que, à semelhança do “eleitor do Chega”, também quem escolhe não votar “tem normalmente um rendimento socioeconómico mais baixo. Também, tendencialmente, são mais de direita.”

“Sabemos pelos estudos anteriores que, quer os abstencionistas, quer o Chega, mobilizam mais as pessoas que partilham determinadas atitudes populistas”, afirma, adiantando também que “atitudes anti-imigração ou anti-integração europeia eram traços que os abstencionistas tradicionalmente em Portugal têm”.

“Sabemos que a parte das atitudes políticas é muito importante para a mobilização eleitoral e, sobretudo, para aqueles abstencionistas que não são apáticos, que não vão votar, porque é sempre um grupo daqueles que são muito distantes da política. Eles não ligam nada e não se interessam, mas aqueles abstencionistas mais intermitentes ou estratégicos, que se mobilizam só quando têm uma oferta política que corresponde à sua maneira de pensar, aos seus valores, aí claramente há uma maior capacidade do Chega de mobilizar a maneira de conquistar o voto destes eleitores”, destaca Marco Lisi, estabelecendo um retrato da abstenção em Portugal.

No entanto, estendendo esta diminuição da abstenção ao voto de protesto, seja no Chega ou contra outros partidos, “a avaliação negativa de desempenho do Governo” é um fator a considerar, sugere também o politólogo.

Este fenómeno é transversal às forças políticas, que não são os tradicionais, e configura uma atitude “partilhada com outros novos partidos, portanto evidentemente isso não pode ter beneficiado apenas o Chega”, sustenta o investigador da Nova, sugerindo que tanto a abstenção como o protesto “se calhar beneficiaram o Livre ou outros partidos, sobretudo os partidos mais recentes.

Mas isso também é outra indicação de que esse sentimento de protesto pode ter contribuído para mobilizar desta vez os abstencionistas e em boa medida também ter beneficiado o Chega mais do que outros partidos”, conclui.