Habitação
01 abril 2024 às 11h46
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Moradores na Quinta dos Ingleses têm de sair. Zona dará lugar a casas de luxo, hóteis e parque urbano

Em frente à praia de Carcavelos, cerca de 40 pessoas moram em tendas e roulotes. Agora, têm de sair. A área já está a ser vedada para começar a ser construído um parque verde urbano. Seguem-se três hóteis e apartamentos de luxo.

A Quinta dos Ingleses, uma zona de mata em frente à praia de Carcavelos, no concelho de Cascais, tornou-se conhecida pelas pessoas que ali começaram a viver em tendas e roulotes.

Sem rendimentos para arrendar uma casa, por ali moram cerca de 40 pessoas, entre portugueses, brasileiros, cabo-verdianos, angolanos e até uma recém-chegada argentina, que rumou à Europa “para fugir da situação em que está o meu país, que é impossível”, partilha a jovem, Alejandra Fernandez, de 28 anos.


Agora, chegou a hora em que todos terão de abandonar o local. A Quinta dos Ingleses já está a ser entaipada pela empresa Alves Ribeiro, construtora e proprietária do terreno. Por ali irá nascer, em primeiro lugar, um parque verde urbano. Mais tarde, está prevista a construção de 850 apartamentos de luxo, três hotéis e zonas comerciais. “Todos os que lá estão sabem que estão em situação ilegal”, começa por dizer ao DN Carlos Carreiras, presidente da câmara municipal de Cascais. “Não tenho nada para dizer a estas pessoas porque elas sabem a situação em que estão. Tem havido acompanhamento da câmara municipal e de entidades de solidariedade social, que os têm estado a apoiar. Mas todos sabem que a sua situação é completamente ilegal”.


Ao mesmo tempo, Carlos Carreiras não pondera oferecer uma solução de habitação social para este grupo de moradores da Quinta dos Ingleses. “Isso não irá acontecer, senão haveria todos os dias pessoas a vir viver ilegalmente para a zona de Cascais e a ter prioridade em realojamento. Estamos a definir a nossa estratégia local de habitação e há muitos munícipes inscritos para habitação camarária há muito mais tempo”.

Carlos Carreiras acrescenta: “Aliás, dos levantamentos que temos feito no local, a esmagadora maioria das pessoas que ali estão nem sequer são oriundas do concelho de Cascais e chegaram há pouco tempo”.


A primeira construção arrancará em breve. “Primeiro será feita uma obra de fruição pública, que é um parque verde urbano. O plano de urbanização já está em vigor e foi a câmara municipal que o licenciou”. Este parque deverá estar pronto em meados de 2025. Quanto ao resto das obras, deverão arrastar-se por alguns anos. “O prazo em que tem de estar tudo concluído é muito alargado”, conclui o presidente da câmara de Cascais.

“Vamos arrendar um terreno”

Os que ali moram dividem-se entre quem já tenha um “plano B” e os outros, os que desesperam, sem rendimentos nem sítio para onde ir. “Estamos a ver o arrendamento de um terreno, eu e mais cinco pessoas daqui. Vamos arrendar esse terreno”, conta Andreia Costa, 50 anos, marceneira e funcionária de limpeza num alojamento local.

“Estamos a ver uma renda entre 350 a 500 euros, para dividirmos entre todos. Dois dos terrenos, que temos andado a ver,  ficam em Sintra; o outro é um pouco mais longe, em Odivelas. Não sei se vamos ficar com esse porque fica longe dos nossos trabalhos”.


Andreia Costa e Márcia Maju, 44 anos, cozinheira, foram as autoras deste “plano B”. Foram elas que tiveram a ideia de arrendar um terreno onde possam montar as tendas e colocar as roulotes, sem correrem o risco de terem de sair. E convidaram alguns dos vizinhos para irem consigo. “Vamos levar a nossa ‘mascote’. Ele está desesperado, dá para ver o susto na cara dele”, diz Andreia, referindo-se a Ricardo Oliveira, de 58 anos.


Ricardo trabalhava em jardinagem. Agora recebe, apenas, o Rendimento Social de Inserção (RSI). “Há muito tempo que não consigo arranjar trabalho. Acho que deve ter a ver com a minha idade mas também porque não tenho carta de condução, que é uma coisa que agora pedem para tudo”, explica o homem, com o olhar triste.

“Vivo no concelho de Cascais desde que nasci. A minha família faleceu e a senhoria despejou-me”, partilha Ricardo. “Não sei o que é que vai ser de mim, não tenho para onde ir e com este rendimento não tenho dinheiro para pagar uma renda”.


Ricardo Oliveira inscreveu-se na câmara municipal de Cascais para obter uma habitação social. “Estou inscrito há bastante tempo mas vim a descobrir que anularam as inscrições todas que estavam feitas para habitação social. Agora tem de se fazer o processo todo de novo, já tenho os papéis todos para entregar outra vez”. Resta-lhe a solidariedade das vizinhas que garantem que não o vão “deixar para trás”.


Noutra roulote vive Rogério Gonçalves, 60 anos. “Sou de Belo Horizonte, Minas Gerais. Aqui sou cuidador de idosos mas no Brasil sou professor de Educação Física”. Rogério é uma espécie de nómada. “Eu estou de licença, no serviço de lá. Geralmente eu venho, fico dois anos, volto para o Brasil. Já estive também em França e na Suíça".


O professor morava num quarto mas acabou por vir parar à Quinta dos Ingleses por causa da sua cadela. “Vim parar aqui por causa da cachorrinha. Morava num quarto e autorizaram-me a comprar o cachorro. Mas notei que ela estava a ficar com medo das pessoas da casa. Mudei-me para o Barreiro mas ficava muito longe do trabalho. Comprei a roulote e vim para cá, em agosto do ano passado”. Agora que tem de sair já pensa numa solução. “Vou com a roulote para um parque de campismo. Aí terei de pagar, será mais difícil, mas tenho de dar um jeito”.
 

“Sinto-me um lutador”

Sem solução à vista está Rodrigo Silva, 34 anos. “Sou do interior de Minas Gerais, no Brasil. Cheguei aqui no final de novembro do ano passado. Vim para Portugal para conquistar alguma coisa, ter um salário digno e uma vida melhor”, refere o rapaz. 
Com a saída à vista do espaço onde tem a tenda montada, vê-se sem perspectivas. “Não tenho dinheiro para pagar uma renda, senão não teria vindo para aqui”, afiança. “Agora, ou vou para uma roulote ou compro um carro velho para ter onde dormir”. Ainda assim, não baixa os braços: “Sinto-me um lutador, a correr atrás do mundo”.


Menos forças tem Isabel Alpoim, 58 anos, natural de Lisboa. “Vim para aqui  porque a minha senhoria precisou da casa para a filha e despejou-me. Não encontrei outra solução: estou numa tenda”. 


Isabel Alpoim está desempregada depois de ter vencido um cancro de mama. Ficou com algumas sequelas e, por isso, recebe uma pensão de invalidez. Mas sente-se capaz e com vontade de trabalhar, para poder mudar de vida. “Há um mês houve um almoço solidário nos Maristas. Eu pedi trabalho e cerca de um mês depois ligaram-me a dizer que precisavam de pessoas para o refeitório. Fiquei toda satisfeita. Só que levei o currículo e até agora não me disseram mais nada”, afirma, com tristeza.


Sem retaguarda familiar e um rendimento baixo também ela terá de abandonar a Quinta dos Ingleses. “A única familiar que tenho é a minha irmã, que está em França. Ela já me falou para ir para lá mas estou a evitar, não gosto daquilo”, explica a mulher, que está em lista de espera para obter uma habitação social. “Estou inscrita para ter uma casa da câmara desde janeiro de 2018 e, até à data, nada. Podem dar-me uma casa em qualquer lado que eu aceito. Basta um T0, não preciso de mais nada”.

Isabel faz ainda um apelo aos proprietários da Quinta dos Ingleses. “Podiam, em conjunto com a câmara de Cascais, arranjar-nos um terreno com água e luz, que é o essencial, para nós podermos pôr as nossas tendinhas. Eles são poderosos”. 

“Estou desesperada!”

As palavras de angústia são de Luzinete Lopes, 58 anos, natural do litoral de S. Paulo, no Brasil. “Quando viemos fomos morar no apartamento de uma amiga, que tinha a mãe com 97 anos. A mãe dela morreu e nós tivemos de sair. Viemos parar aqui”, conta a mulher, que vive com um filho, de 31 anos. “Estou desesperada. O meu ‘plano B’ é voltar para o Brasil. Voltar e lamentar”, conta, encolhendo os ombros. “Tenho minha casinha lá”. 


Luzinete não vê outra solução. Esta é a segunda vez que tenta uma vida melhor em Portugal, sem sucesso. “A primeira vez que vim foi em 2018 mas fui atropelada e tive que voltar para o Brasil. Estava num quarto, com o meu filho, até que chegou uma altura em que nem dinheiro tínhamos para comer”. Voltou em 2022... até agora.