Justiça
01 abril 2024 às 22h52
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Procuradoria europeia investiga Ursula von der Leyen

O negócio de aquisição de 1,8 mil milhões de vacinas e a sua falta de transparência estão na mira dos investigadores sediados no Luxemburgo.

O futuro político de Ursula von der Leyen pode ficar ensombrado caso a procuradoria europeia materialize a investigação relacionada com a compra de vacinas anticovid da Pfizer e avance com uma acusação nos próximos meses à presidente da Comissão Europeia. Para já, sabe-se que o dossiê passou das mãos dos procuradores belgas para o órgão europeu com sede no Luxemburgo no caso que é conhecido como SMSgate ou Pfizergate. 

A dirigente alemã anunciou no dia 19 de fevereiro a intenção de ser a candidata do Partido Popular Europeu a novo mandato à frente da Comissão. No entanto, para lá do que resultar das escolhas dos europeus nas eleições de junho, von der Leyen está também dependente do poder judicial. Segundo o Politico, os investigadores da Procuradoria Europeia substituíram há meses os seus colegas belgas na investigação por “interferência em funções públicas, destruição de SMS, corrupção e conflito de interesses” à presidente da Comissão.

A investigação teve origem em Liège, no início de 2023, tendo como base uma queixa criminal do lobista profissional Frédéric Baldan, com ligações à associação francesa BonSens (contra as medidas anticovid). Os governos da Hungria e da Polónia também avançaram com uma queixa-crime, mas com a mudança de executivo em Varsóvia este deverá deixar cair a ação. 

O que está em causa são os meandros do acordo estabelecido entre Ursula von der Leyen e o administrador executivo da farmacêutica Pfizer, Albert Bourla, que envolveu troca de mensagens no telemóvel. Até hoje não se sabe os valores do negócio concluído entre ambos na primavera de 2021, depois de outras empresas farmacêuticas não terem assegurado as doses acordadas.

Depois de um primeiro contrato de 600 milhões de doses de vacinas Pfizer-BioNtech, o negócio envolveu 1,8 mil milhões de imunizações, cerca de quatro para cada cidadão europeu. Este contrato, como os outros, encontra-se disponível mas rasurado. O secretismo da Comissão entra em choque com o artigo 42 da carta dos direitos fundamentais da União Europeia, segundo o qual os cidadãos têm direito de acesso aos documentos das instituições europeias, “qualquer que seja o seu meio”.

Em 2022, o Tribunal de Contas Europeu disse ter pedido à Comissão informação sobre as negociações “peritos científicos consultados e pareceres recebidos, calendário das conversações, registos das discussões e pormenores dos termos e condições acordados”. No entanto, lamenta o relatório, “não foi apresentada qualquer informação”. Nesse mesmo ano, a provedora de Justiça europeia, Emily O’Reilly, considerou que a recusa do acesso público das mensagens era um caso de “má gestão”. 

Segundo o Financial Times, Bruxelas comprou cada dose de vacina por 19,5 euros quando a primeira entrega havia custado 15,5 euros. Além disso, enquanto outros países tiveram dificuldades - ou não conseguiram obter - em adquirir vacinas, os países da UE deitaram para o lixo pelo menos 4 mil milhões de euros em vacinas, de acordo com estimativa do Politico. 

Além da investigação da procuradoria europeia - um órgão independente previsto no Tratado de Lisboa, mas que só entrou em funções em 2021 -, a concluir antes do final do ano, há um outro processo em tribunal. Em janeiro de 2023, o The New York Times apresentou uma moção à justiça europeia, na qual exige a divulgação das mensagens de von der Leyen com Bourla. É esperada uma decisão a qualquer momento, a qual será passível de recurso.

cesar.avo@dn.pt