Política
16 janeiro 2024 às 07h00
Leitura: 7 min

Limites às rendas. Lei espanhola inicia novo braço-de-ferro entre inquilinos e proprietários

Nos dois lados do mercado, em Portugal, senhorios e arrendatários reagem à imposição de tetos máximos às subidas das rendas, adotada na Catalunha, mas concordam num único ponto: é preciso haver mais casas para arrendar.

Portugal já aplicou, de certa forma uma medida semelhante, que é a história do Mais Habitação [conjunto de respostas para o setor que o Governo avançou há um ano]”, lembrou ao DN o presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), Luís Menezes Leitão, que considera a aplicação de tetos máximos para os aumentos das rendas, que será introduzida a partir de fevereiro na região autónoma da Catalunha, em Espanha, como uma opção “contraproducente”.


“Em qualquer caso, o que todas as experiências que têm vindo a ser estabelecidas dizem é que isto é contraproducente e limitou o preço das casas mais caras, mas os das casas mais baratas dispararam. Portanto, no fundo, o que se verifica, e é sempre assim, é que, quando nós queremos intervir no mercado de uma forma disparatada, o resultado costuma ser contraproducente”, critica o líder da ALP.

A lei da habitação espanhola, aprovada em maio de 2023 pelo Governo do país vizinho, prevê que haja um controlo, conseguido através da limitação de preços, nas rendas das casas. A região da Catalunha foi a primeira a adotar esta lei, mas ainda falta definir quando é que entra em vigor e em que termos. No entanto, dada a proximidade geográfica e as pressões sentidas no mercado da habitação, os ecos desta lei em Portugal levam proprietários, inquilinos e políticos a reagir. 

Menezes Leitão classifica esta medida, a par de outra que, lembra, remonta a “setembro de 2020 e abril de 2022”, como uma “demonstração perfeita de irracionalidade, que é repetir sempre a mesma medida à espera que um dia dê um resultado diferente. Não dá. Dá sempre o mesmo, e o resultado é sempre pior”, prevê. Questionado sobre se em Portugal há alguma margem para ser aplicada esta medida, o representante dos proprietários remete a possibilidade para o plano legal. “A nosso ver, essa medida seria claramente inconstitucional, mas como disse, o efeito é contraproducente, porque limita apenas o preço das casas mais caras”, sustenta, acrescentando a solução para responder ao problemas do arrendamento passa por  “aumentar a oferta, para que todas as rendas possam baixar”. “Precisamente por isso, tomara a nós que houvesse uma lei que voltasse a liberalizar o arrendamento e devolver a confiança aos proprietários”, destaca, lembrando a chamada “lei Cristas”, relativa à liberalização de arrendamentos avançada em 2012 pela ministra da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território do Governo de Passos Coelho, Assunção Cristas.

É neste ponto que arrendatários e senhorios encontram um único consenso. Ao DN, o ativista da plataforma Morar em Lisboa e dirigente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL) Luís Mendes concorda que  é necessário que haja mais casas no mercado para resolver o problema da habitação. Perante isto, reconhece “que os proprietários acabam muitas vezes por se retrair e retrair algumas ofertas,  porque têm receio de que não possam colocar de futuro os níveis de renda das suas propriedades aos valores que lhes convier. Mas o mercado para funcionar tem que ser regulado e a oferta tem que estar ajustada à procura”. Esta regulação, de acordo com o dirigente da AIL, deve ser conseguida através da criação do “registo nacional de arrendamento, onde se concentrava toda a oferta de casas para arrendar, a nível do país, por distrito, por conselho, por freguesia, com o preço de renda, a área útil da habitação, portanto, o que permitiria calcular o valor da renda por metro quadrado e logo aí ver se a renda é especulativa ou não”. Para além disto, para responder às necessidades dos proprietários, “o Estado deve dar um estímulo fiscal forte, portanto, isenções fiscais drásticas e fortes a quem queira colocar os seus [imóveis] devolutos no mercado de arrendamento”, propõe Luís Mendes.

Em contraciclo com os proprietários, Luís Mendes defende que “a ‘lei Cristas’ tem que ser revogada” por  estar “cheia de botox”, argumentando que “já não interessa a ninguém, é uma lei que se aprovou há mais de 10 anos, que não funciona, que permite uma desregulação e uma descompensação e forte distorção no mercado”. “Tem que ser revogada e outra lei do arrendamento mais justa tem que ser promulgada”, propõe, lembrando que “há pessoas que têm que optar entre o pagar a renda de casa e a alimentação, num país com tão baixos salários e tão baixas pensões, em que as famílias estão com uma taxa de esforço tão elevada, com tanta dificuldade, incluindo gerir o seu orçamento para conseguir pagar todas as despesas, que fazem face até ao fim do mês”.

Os partidos, assumem as dores de ambos os lados desta trincheira e posicionam-se. Do lado dos inquilinos, citada através da plataforma online esquerda.net, a coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, assume que o partido quer “tetos máximos para as rendas consoante o concelho, consoante a tipologia do imóvel. Mas queremos mais. Queremos o que o Governo foi incapaz de fazer, que é estabelecer um teto para o aumento das rendas em 2024, que, se nada for feito, será de 6%”.

Por outro lado, em declarações ao DN, o deputado do Chega Filipe Melo defende que “não é com estas limitações à renda que devemos conseguir devolver habitação e confiança ao mercado. Portanto, o mercado, por si só, tem que se autorregular, naturalmente”. Para além disto, propõe o deputado do Chega, isto só se resolve com “um reforço muito significativo da construção, tem que se construir muito rapidamente milhares de fogos e aí o Estado só poderá fazê-lo com o apoio dos privados”.