Legislativas 2024
28 fevereiro 2024 às 22h50
Leitura: 7 min

AD não diz nada sobre aborto no programa, mas propostas de 2015 ensombram o debate

Paulo Núncio, candidato da AD, lembrou como Passos e Portas tentaram “dificultar o acesso ao aborto”, fazendo ativistas e esquerda temer o regresso de medidas que foram aprovadas em 2015 e revogadas por António Costa.

"É importante frisar que em 2015, não obstante já termos a lei do aborto em vigor, e depois do referendo, o Governo do PSD e do CDS, na altura era a PAF, enfim era a AD mas tinha outro nome, foi dos primeiros governos do mundo a tomar medidas no sentido de dificultar o acesso ao aborto. Não foi possível reverter a lei, é verdade, mas foram tomadas um conjunto de medidas, que logo a seguir foram revogadas pelo PS”. Esta frase, dita pelo candidato da AD Paulo Núncio, num debate promovido pela Federação Portuguesa pela Vida, foi o suficiente para trazer a interrupção voluntária da gravidez para a campanha.

O embaraço foi evidente. Luís Montenegro teve de vir explicar, depois de Núncio ter dito que “a única forma de revertermos a liberalização da lei do aborto passa por um novo referendo”, que a AD não tinha intenção de mexer na lei. “Nós não temos nenhuma intenção de o fazer, que não seja cumprir a lei, dar às mulheres portuguesas todas as condições para poderem, dentro daquilo que a lei estabelece, tomar a sua decisão, de forma bem informada, de forma planeada, de forma segura do ponto de vista da sua saúde”.

Aborto fora do Programa da AD

“A nossa posição está no programa”, disse ao DN o secretário-geral do PSD, Hugo Soares. No Programa da AD não há nenhuma referência à lei do aborto. O DN tentou, sem sucesso, ouvir Paulo Núncio, mas o líder centrista, Nuno Melo, desvalorizou o ruído. “Este tema não consta do acordo de coligação. Não é um tema da próxima legislatura”, frisou Melo ao DN , ressalvando, porém, que “a posição do CDS é a de sempre, o CDS não mudou”.

É  precisamente o facto de PSD e CDS não terem mudado de ideias relativamente ao aborto que preocupa ativistas como Sandra Benfica, do Movimento Democrático das Mulheres (MDM), que se recorda das alterações à lei a que aludiu Paulo Núncio e dos efeitos que tiveram.

“As taxas, a obrigatoriedade de consultas de psicologia e acompanhamento com assistentes sociais. E os objectores de consciência poderem fazer as consultas sem informar as mulheres desse estatuto. Ou seja quem fazia as consultas, no fim dizia que não ia fazer o procedimento”, recorda a ativista do MDM, que diz que esta legislação dificultava o acesso à interrupção voluntária da gravidez conquistada em 2007 por referendo. “Além da coação, colocavam entraves muito sérios ao cumprimento dos prazos”, lembra.

O debate em 2015

O debate sobre as medidas que Paulo Núncio assumiu terem como objetivo “dificultar o acesso ao aborto” pôs de um lado PSD e CDS e do outro toda a esquerda, num debate parlamentar na reta final do Governo de Passos e Portas, a 23 de julho de 2015.

“A direita não tem a coragem política de dizer que quer voltar à criminalização da interrupção voluntária da gravidez, mas pretende, com esta lei, fazer entrar pela prática aquilo que não consegue fazer entrar por via do direito”, atacava o então deputado do PCP, António Filipe, no debate, já depois de a socialista Isabel Moreira ter lembrado que, houve “zero mortes [por aborto] em 2011”, um aumento para mais de 90% das consultas voluntárias de planeamento familiar e que  a taxa de aborto de repetição era inferior à média europeia.

“A IVG não está a ser banalizada e promovida”, defendeu Isabel Moreira, que contestava a introdução de taxas moderadoras porque “quebram o sigilo da mulher” e considerava uma forma de “infantilização” das mulheres a obrigatoriedade de uma consulta de planeamento familiar pós-IVG. “As alterações propostas pelo PSD e pelo CDS alteram a lei no seu espírito e na sua forma e significam um retrocesso inadmissível nos direitos e no estatuto das mulheres numa sociedade democrática”, atacava a socialista.

Em 2012, o PSD chegou a defender num debate no Parlamento a “obrigatoriedade da assinatura da ecografia da idade do feto pela grávida”, pela voz da deputada Conceição Ruão, na discussão de uma petição da Federação Portuguesa pela Vida. Essa ideia acabou, contudo, por cair e não fazia parte da proposta aprovada em 2015, poucos meses antes das eleições que levariam  António Costa ao poder.

PR vê tema como encerrado

“Reverter essas medidas foi uma das primeiras coisas que fizemos”, recorda ao DN a deputada do PS Alexandra Leitão, que vê com preocupação a possibilidade de um retrocesso num tema que, em maio de 2022, era dado por encerrado por Marcelo Rebelo de Sousa. “Não acredito que Portugal possa vir a recuar no aborto. Deixou de existir como questão”, disse então ao DN.

Nos programas a votos nestas eleições, só BE e Livre pedem mudanças na lei. Os bloquistas querem que o limite para a IVG esteja nas 12 semanas, o partido de Rui Tavares propõe as 14, ambos em vigor em vários países europeus. PS, CDU e IL apenas reforçam a importância de garantir o direito ao aborto. E o Chega faz uma única menção ao tema para propor a criação de “um fundo de emergência para as famílias que pensem recorrer ao aborto por razões materiais”.