07 fevereiro 2016 às 00h26

Doenças antigas? Raquitismo, sarampo e rubéola ainda chegam aos hospitais

Dietas mais restritas, alergias alimentares ou casos importados explicam porque ainda aparecem doenças do passado que muitos pais e jovens médicos nunca viram

Ana Maia

Quando se ouviu falar de um caso de escorbuto em Espanha num bebé de 11 meses foi uma surpresa. Quando ouvimos falar da doença provocada pela falta de vitamina C pensamos nos Descobrimentos e em barcos cheios de marinheiros ansiosos de chegar a terra depois de meses no mar. Mas aconteceu. Nos hospitais portugueses também surgem doenças que há muito passaram para a categoria de "antigas" e que muitos dos novos médicos só estudaram nos livros.

Raquitismo: doença decorrente da mineralização inadequada do osso em crescimento; é provocada pela falta de vitamina D, seja por baixa exposição à luz solar ou por dieta incorreta. Margarida Valério estava no primeiro ano do internato de pediatria no Hospital de S. Francisco Xavier quando viu o primeiro caso. "Se me tivessem chamado, não saberia", diz, explicando que "era um menino de 28 meses referenciado do centro de saúde para consulta por suspeita de alergias e intolerância ao leite de vaca".

A mãe tinha-o amamentado em exclusivo até aos nove meses, sem qualquer suplemento, e tinha uma alimentação incorreta. Apresentava carência de vitamina D e B12. Uma das pediatras da equipa fez a história: hábitos alimentares, antecedentes e testes de alergia. Foi quando apalpou um pulso "de boneca". Chamou a colega Conceição Santos. Diagnostico: raquitismo. "Tinha as pernas arqueadas, as costelas salientes, os pulsos mais largos. Eram tudo sinais muito lógicos. Há 25 anos tinha visto dois casos no internamento do Hospital D. Estefânia. Neste hospital, em 20 anos, foi o primeiro que vi. São doenças clássicas que tínhamos de saber para exame. Basta ver um caso para nunca mais se esquecer", contou.

Continua a ser estudada nas faculdades e tem tratamento simples: umas gotas de suplemento de vitamina D e cálcio. Porque acontece? "Nós recebemos vitamina D através dos alimentos, como salmão, cavala e sardinha. Mas grande parte é produzida pela pele. Cinco minutos de exposição solar é o suficiente para ter vitamina D para uma semana. Mas os miúdos hoje em dia passam muito tempo em casa, cheios de roupa e protetores solares", explica Margarida Valério. A colega Sara Marcos acrescenta: "É uma doença para a qual temos de estar sempre alerta e que se faz prevenção. Faz parte das recomendações dar uma gota por dia de suplemento de vitamina D até aos 12 meses."

António Vaz Carneiro, diretor do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência, lembra que "as doenças provocadas por défices nutricionais hoje em dia são raras, porque as condições socioeconómicas melhoraram nos últimos anos". Quando surgem não é pelo desconhecimento como acontecia no passado, mas sim muitas vezes ligadas "a dietas subnutricionais, como vegan e macrobiótica. Há fenómenos também por questões ideológicas e crenças. Se queremos fazer uma dieta mais restrita deve ser feita prevenção. Mesmo intolerâncias não implicam quadros destes". Por serem raras, diz, "são mais difíceis de diagnosticar".

Margarida Valério e a colega Sara Marcos nunca viram sarampo, mas estudaram-no. Entre 2011 e 2014 registaram-se 10 casos de sarampo, 13 de lepra, um de raiva e oito de rubéola. Doenças consideradas inexistentes em Portugal. "Sarampo é um caso paradigmático. O último surto terá sido há 28 anos, mas recebemos casos importados", conta Graça Freitas, subdiretora-geral da Saúde. "São doenças que não fazem parte da rotina, chegam ao país por importação, e há muitas gerações de médicos que nunca as viram. Por isso é tão importante o trabalho em equipa com os médicos mais velhos. Ter experiência é diferente de ter visto no livro. Estes casos raros são alvo de investigação para se perceber se é nosso ou de importação", explica a responsável que se lembra bem do primeiro caso de rubéola que viu. Fazia o primeiro banco de urgência no Hospital de Santa Maria, em 1989. "Entrou uma senhora com uma criança cheia de manchas. Não sabia o que era. Atravessei o corredor e pedi ajuda aos colegas mais velhos. Quando chegaram à porta disseram em coro: é rubéola. O diagnóstico foi imediato porque estavam habituados".

Raros ou não, os tratamentos estão disponíveis. "Os casos de lepra são normalmente de cidadãos estrangeiros. No Brasil, por exemplo, ainda é um problema grave. Os dermatologistas diagnosticam e o tratamento é gratuito. Todos os casos são sinalizados para a Direção Geral da Saúde e a Organização Mundial da Saúde envia os tratamentos. Raiva é raríssimo. O último caso foi de um senhor que esteve na Índia e foi mordido por um macaco. É letal na maioria dos casos, por isso sempre que se suspeita faz-se vacina. Temos uma reserva nacional estratégica que é ativada sempre que preciso", adianta.