20 fevereiro 2012 às 01h00

A serra sangra chamas: "É cíclico e vai continuar"

Os parques naturais não escapam aos grandes incêndios. Desde 1996 já ardeu um quarto da área protegida nacional: foram dizimados quase 170 mil hectares, uma área equivalente a 170 mil campos de futebol. Na serra da Estrela, onde em 2010 foram consumidos 4500 hectares, nada está a ser feito para evitar que a situação se repita.

Rui Marques Simões

Aquela quarta-feira foi "um dia horrível - o pior momento da minha vida", lembra Olinda Oliveira. A proprietária do restaurante O Mirante da Estrela, no Sabugueiro (Seia), viu-se apertada pelas chamas e só "por um milagre" não morreu, quando o fogo cercou a aldeia mais alta de Portugal. Foi a 12 de agosto de 2010. Por esses dias, a serra da Estrela, maior pulmão do País, sangrava chamas e expelia fumo. Arderam quase 4500 hectares (quase um quarto do total de área ardida em parques naturais em 2010). Foi o maior e mais grave incêndio dos últimos anos na zona. Mas não foi algo inédito nem inesperado. "É cíclico e vai voltar a acontecer", dizem na região.

O incêndio de agosto de 2010 foi o mais intenso dos últimos anos numa zona tradicionalmente flagelada pelas chamas. Nasceu na madrugada de dia 11, na Aldeia da Serra (concelho de Seia). "Estávamos a jantar, à uma da manhã, quando o vimos começar", conta, ao DN, Virgílio Borges, comandante dos Bombeiros Voluntários de Seia. O fogo subiu a serra - até à lagoa Comprida, depois de rondar São Romão e Sabugueiro -, só se extinguindo no dia 13. No total, arderam 4489 hectares, quase 80% da área queimada por incêndios, no Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE), em 2010 - 5706 hectares.

Na verdade, os incêndios são um problema crónico em todo o País. De 1996 a 2010, segundo dados do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, foram destruídos pelas labaredas 169 627 hectares de áreas protegidas (praticamente um quarto dos 683 372 hectares da área total nacional). E 2010 até foi um ano médio, com os seus 18 426 hectares ardidos a nível nacional.

No caso particular da serra da Estrela também há picos e períodos de acalmia, entre os 11 467 hectares queimados em 2005 e os 1667 de 2011. Afinal, o ano passado "deu folga" aos bombeiros. Mas isso não lhes tira o pressentimento de que os problemas vão voltar.

A área ardida em 2010 está ao abandono. Montanha acima, por caminhos íngremes (apenas palmilháveis num automóvel todo--o-terreno, ou nem isso), Virgílio Borges e o adjunto, António Belém, mostram o terreno ao DN. Apenas cresce vegetação rasteira, giestas e pouco mais: "pólvora autêntica", garante o comandante dos bombeiros.

O Parque Natural da Serra da Estrela está no centro do problema. Rafael Ferrão Neiva, supervisor do parque, explica ao DN as medidas que têm sido tomadas para evitar mais incêndios, que vão desde a "redução de [plantas] combustíveis, limpeza de povoamentos e plantação de espécies autóctones" à "beneficiação da rede viária e realização de fogos controlados". Porém, isso não convence os bombeiros, desolados com o ar abandonado da área ardida em 2010. "Somos testemunhas disto. No inverno é que devíamos estar a precaver-nos. Mas o que está a ser feito é nada, nada, nada. É uma tristeza, uma dor de alma", lamenta Virgílio Borges.

O comandante dos bombeiros de Seia diz que a reflorestação do espaço poderia prevenir o fácil propagar dos incêndios, propiciado pela vegetação rasteira e altamente combustível. Todavia, Rafael Neiva alega que essa "é apenas uma" das soluções... e que até essa área reflorestada atingir um estágio de maturidade seriam precisas "várias décadas de investimento continuado na sua gestão".

Resultado: o flagelo vai continuar. A maioria das terras do PNSE é de privados que a votou ao abandono. E "se nada for feito" volta a haver um grande incêndio "lá para 2013", estima Virgílio Borges. Se acontecer no Sabugueiro, Olinda Oliveira não ficará para defender a casa e o negócio - ousadia que lhe ia custando a vida em 2010, se não fosse o bombeiro que a puxou pelo braço, quando as chamas se aproximavam. "Não volto a fazê-lo. A vida é mais importante", diz, com a mesma firmeza com que pressagia o futuro: "A serra da Estrela arde todos os anos. Se não arder aqui no Sabugueiro, vai arder noutro lado."