18 fevereiro 2017 às 00h59

Não há barreiras que derrubem Marisa, uma promessa com genes de campeã

Na estreia em nacionais de pista coberta, Marisa Vaz de Carvalho ganhou o primeiro título sénior e tornou-se a quarta melhor portuguesa de sempre no pentatlo: atleta do Benfica, de 17 anos, é tão polivalente como promissora

Rui Marques Simões

Há histórias que definem o caráter: no ano passado, Marisa Vaz de Carvalho reergueu-se da deceção da final dos 100m barreiras nos Europeus de juvenis (8.º lugar, quando era favorita à vitória) com a mesma rapidez com que aos 13/14 anos, ainda novata na disciplina, voltou à pista para repetir o exercício, após uma queda aparatosa, que a deixou esfolada e a sangrar. A resposta, nesses Campeonatos da Europa, foi a conquista da medalha de bronze no salto em comprimento (onde não era apontada como candidata ao pódio), logo no dia seguinte. Afinal, a promissora atleta do Benfica, de 17 anos, tem tanto de polivalente como de obstinada.

Marisa Vaz de Carvalho é vista, de forma generalizada, como uma das maiores promessas do atletismo nacional na atualidade. No último fim-de-semana, na estreia no Campeonato de Portugal em pista coberta, conquistou o primeiro título sénior, tornando-se a quarta melhor portuguesa de sempre no pentatlo (4064 pontos, só atrás das marcas de Naide Gomes, Lacabela Quaresma e Patrícia Mamona...). Hoje e amanhã volta ao mesmo palco - Expocentro, em Pombal - para o Nacional de clubes.

"Se tivesse de escolher uma atleta [com futuro] para treinar, não teria dúvidas em escolhê-la", garante, ao DN, João Abrantes, o técnico que acompanha o crescimento de Marisa desde os 12 anos - embora inicialmente tenha sido a sua mulher, a ex-atleta Isabel Abrantes, a dirigi-la. "Ela tem uma enorme capacidade física, força, rapidez e velocidade. É boa nas barreiras, no comprimento, na velocidade e no lançamentos, por isso sobressai nas provas combinadas. E a nível mental tem tudo para chegar bem longe, pois é muito focada e concentrada", descreve o treinador.

A atleta do Benfica tem genes de campeã: a mãe, Teresinha Vaz, foi recordista e campeã nacional no lançamento do dardo e no heptatlo; o pai, Joaquim Carvalho, deu cartas nos 400 metros barreiras, no decatlo e nos 400 metros; a irmã, Teresa Vaz de Carvalho (22 anos, também atleta do Benfica), já foi campeã nacional no comprimento; e o tio, José Carvalho, ficou em 5.º lugar nos 400 m barreiras dos Jogos Olímpicos de 1976, em Montreal (Canadá).

"Coloca alguma pressão saber que os nossos ancestrais tiveram um passado de sucesso. Mas eles ajudam-me muito, dão muitas dicas. O assunto principal lá em casa é sempre o desporto", conta, ao DN, Marisa Vaz de Carvalho. Para ela, o rótulo de promessa não pesa muito: "Tento não pensar demasiado nisso, viver a vida normalmente". E é com paixão que concilia o atletismo - seis treinos diários, de 3:30, por semana - com a vida de estudante do 12.º ano.

João Abrantes cedo percebeu que estava ali alguém com futuro. "Uma barreirista precisa de muita coragem, é alguém que tem de ir no máximo de velocidade direito a barreiras, sabendo que algo pode correr mal. Quando era muito novinha, ela deu uma queda muito aparatosa, esfolou-se toda, mas quis ir fazer outra vez o exercício. Foi ainda mais rápida do que quando tinha caído e, quando terminou, toda a gente aqui no Centro de Alto Rendimento [do Jamor] começou a bater palmas", recorda o técnico.

No fundo, foi a mesma capacidade que Marisa revelou em julho, dias depois de se ter tornado recordista da Europa de juvenis dos 100 metros barreiras (13,07 segundos), nas meias-finais dos Europeus do escalão: à desilusão da final, onde bateu em duas barreiras, seguiu-se a alegria do dia seguinte. "Correu mal nos 100m barreiras mas ela disse-me logo que ia tentar no comprimento. Assim fez e ganhou o bronze. Deu-me uma lição", lembra João Abrantes.

Essa medalha, como o primeiro título sénior - "resultado de muito trabalho e dedicação", frisa Marisa - foi apenas mais uma para a atleta, múltipla recordista e campeã nacional nos escalões jovens. Os próximos grandes objetivos são os Europeus de juniores, este ano, e os Mundiais do mesmo escalão, em 2018, embora as provas em que vai competir ainda sejam uma incógnita "Vai depender do calendário [para evitar sobreposições]. Mas quem escolhe é sempre a Marisa, que o que vale e conhece bem as adversárias", explica João Abrantes.

No fundo, a polivalente atleta tem o futuro na mão. Ela, admiradora de "Naide Gomes, Patrícia Mamona, Nelson Évora e, a nível internacional, Jessica Ennis", é que vai escolher em que disciplinas se especializará no futuro, mesmo que agora mostre predileção pelas provas combinadas. "Temos tido cuidado de não apressar nenhuma das etapas de formação. Continua a ter uma grande margem de progressão", conclui o treinador.