25 novembro 2016 às 00h25

"Boavista pagou caro ter ousado ser campeão e ir contra o que era normal"

O guarda-redes Ricardo foi campeão nacional pelo clube do Bessa e lamenta que tenham tentado desvalorizar o título axadrezado conquistado na época 2000-01. Amanhã, mais de uma década depois, as panteras recebem o Sporting, clube que também representou mas onde não conseguiu ganhar o título

Isaura Almeida

Fez parte da equipa que foi campeã pelo Boavista. Que memórias tem desses tempos no Bessa?

O que vem logo à cabeça é o clube onde eu cresci como homem e me formei como jogador profissional, onde passei os melhores momentos futebolísticos. Foram quase dez anos. Um emblema onde cresci e vi o crescimento do clube, onde senti as primeiras emoções do que é ser profissional de futebol a sério. Fiz parte das conquistas mais importantes do Boavista até hoje. Foi onde tudo começou e onde criei memórias que vou guardar para o resto da minha vida.

Há um sentimento boavisteiro? Como o descreveria?

Há! E nem quando tentaram por todos os meios acabar com um clube campeão, um clube centenário, conseguiram matar o sentimento boavisteiro que existe. Nem quando o tentaram matar e aniquilar conseguiram acabar com esse sentimento, paixão e entrega dos adeptos e das pessoas que fizeram daquele clube o que é. E foi por causa dessas pessoas que o Boavista ainda hoje continua a lutar para sobreviver e se manter junto dos maiores de Portugal, que é onde deve estar. O clube pagou caro [Boavista desceu de divisão, na sequência do processo Apito Final] ter ousado ser campeão e ir contra o que era normal, contra o que estava estipulado no futebol português.

Recorda-se em que momento da época [2000-01] os jogadores pensaram que podiam mesmo ser campeões?

O jogo onde nós assumimos a nossa candidatura ao título e dissemos que lutávamos para ser campeões foi na Madeira, num Marítimo--Boavista, que vencemos por 2-1. Nessa altura já sentíamos que estavam a fazer de tudo para impedir que conseguíssemos manter-nos lá em cima. E foi aí que sentimos que era preciso lutar ainda mais, não desistir e arregaçar as mangas para mostrar a nossa raça e fazer das tripas coração para nos mantermos no topo nas dez jornadas que faltavam. Queríamos ir jogar nas Antas, com o FC Porto, que era quem lutava connosco pelo título, já como campeões nacionais. E conseguimos.

Não foi um título por acaso...

Não, não foi. O Boavista foi campeão ao fim de anos a ser segundo e terceiro classificado. As pessoas é que não se lembram ou não querem lembrar. O Boavista, com o Jaime Pacheco, fez dois terceiros lugares, um segundo e um primeiro. As pessoas, se forem aos livros, vão ver que o título não foi um acaso, deu muito trabalho. E, antes disso, Manuel José e Mário Reis foram pessoas importantíssimas que trilharam um caminho difícil. Mas foi sob alçada do Jaime Pacheco e do João Loureiro que se conseguiu juntar qualidade e com uma vontade de vencer enorme. Eram jogadores de qualidade, com ranho no nariz, como o mister Pacheco gostava de dizer. Fizemos anos muitos bons e dignificámos o clube dentro e fora, andámos muitos anos a dar pontos a Portugal nas competições europeias. Mas ainda hoje custa a muita gente reconhecer que houve um clube, que não era dos chamados três grandes, a ser campeão. Custa-lhes dar valor ao que o Boavista conquistou.

Acha então que tentaram desvalorizar o título do Boavista?

Tentaram ao máximo possível, mas jamais conseguirão apagar da história a raça boavisteira e aquilo que o Boavista conseguiu. Jamais, jamais... O título vai ficar para sempre escrito nas melhores histórias do futebol português.

A equipa desse ano serviu os três grandes nos anos seguintes...

Sim, eu, o Litos, o Petit, o Frechaut, o Elpídio Silva... só para mencionar alguns. Essa equipa do Boavista serviu os três grandes nos anos a seguir, porque de facto tínhamos um ritmo competitivo e uma qualidade muito boa.

O Boavista tem aproveitado vários jogadores desse tempo. Foi abordado ou não faz parte dos seus planos?

Pode é não fazer parte dos planos de quem lá está... Neste momento não estou ligado a clubes, mas irei estar ligado ao futebol até ao resto da minha vida. Independentemente de me convidarem ou não, eu não cuspo no prato onde comi. O Boavista será sempre uma casa para mim, uma família, onde passei os melhores tempos da minha vida, tal como o Sporting, onde joguei quatro épocas. Vão ficar para sempre no meu coração. Apesar das coisas más que também passei no Bessa, serei eternamente agradecido às pessoas que lá estiveram e me acompanharam nessa altura.

Depois assinou pelo Sporting, um mundo completamente diferente...

Sim, em termos de mediatismo, grandeza de clube e massa adepta, um grande de Portugal, mas não foi por aí que mudei. Eu fui para o Sporting e fui muito feliz nesses quatro anos. Não consegui ganhar o campeonato, mas estivemos sempre na luta pelo título e vencemos a Taça de Portugal.

Amanhã há um Boavista-Sporting. O que espera?

Tenho a certeza de que vai ser um jogo emotivo, de muita raça e luta. O Sporting atual, em termos futebolísticos e financeiros, está muito melhor, mas não tenho dúvida de que o Boavista vai fazer das tripas coração, das fraquezas força, para tentar o melhor resultado, porque os adeptos e a raça boavisteira assim o exigem. Com as dificuldades que existem só a paixão boavisteira é que consegue levar para a frente o clube, resistindo contra o mal que lhe fizeram.